domingo, 21 de dezembro de 2008

A Falácia da Meritocracia

Seguidamente temos observado por parte da mídia e até mesmo por alguns governos de matiz conservadora, a pregação de uma suposta ação individual "superior" que convencionaram chamar de meritocracia. Pois bem, vejam o que o Pierri posta em seu blog sobre isto:

Acasocracia

A algum tempo atrás, escrevi sobre como algo tão prosaico como ir ao cinema é um privilégio que temos, fora do alcance da maioria das pessoas e que, apesar disso, ainda tratamos isso como se fosse algo mais normal que andar pra frente.

No último post escrevi um pouco sobre meritocracia, aquela falácia que só existe para os privilegiados justificarem seus privilégios, fingindo serem melhores que os demais.

Parece que muitos não compreendem uma coisa extremamente simples: o que quer que vc tenha, o que quer que você seja, até mesmo o fato de você estar vivo, tudo em sua vida depende milhares de vezes mais do mais puro acaso do que de suas capacidades ou seu esforço.

E a razão é simples: muitos mais eventos casuais contribuiram para as suas circunstâncias do que o seu esforço ou suas características. Se você não tivesse levantado naquele dia naquela hora, não teria seu emprego. Se tivesse pisado na rua um momento antes, poderia ter sido atropelado, se não tivesse conhecido determinada pessoa, não teria tido as portas abertas, se não tivesse nascido na sociedade em que você nasceu, não seria quem é.

São milhões, bilhões de pequenos acasos, e ainda tem gente que acha que "merece" algo melhor por ter tido essa sorte. E ainda chamam a isso de um nome pomposo e enganador: meritocracia.

Aliás, "meritocracia" não é exatamente o que o Juca e o babaca cujo texto ele reproduziu pensam. Trata-se, literalmente, do "governo de quem tem mérito", e não da idéia de recompensa do mérito. Mas deixemos isso pra lá, pois o foco aqui é outro.

O erro que os "meritocratas" cometem é o mesmo de qualquer um que subscreva a uma corrente de pensamento individualista. Consideram que as circunstâncias individuais, o esforço, as qualidades, etc determinam tudo o que um indivíduo é, e tudo o que ele possui. Acham que o indivíduo é capaz de construir a si próprio, e nada deve a ninguém.

Ao contrário, acham que é a sociedade que deve algo a eles, seja em forma de reconhecimento, fama, respeito, privilégios.

Mas não são capazes de entender que só são o que são por terem tido mais sorte do que os demais. Se eles não tivessem tido a sorte de nascerem em uma sociedade que lhes permitiu crescer, não seriam o que são. Se tivessem nascido em uma aldeia indígena desconhecida no meio da selva, não importa o quão "brilhantes" e "especiais" eles se achem, jamais teriam sequer uma conta bancária. Não importa o quanto eles se achem "esforçados", não importa o quanto eles se achem "melhores" que os demais.

Tudo o que os diferencia de um índio caçando e pescando e lutando para sobreviver, tudo o que justifica seus privilégios, é apenas o acaso de terem nascido em uma condição diferente.

Na verdade, são eles - os que se acham credores da sociedade apenas por terem nascido - que devem, e muito, à sociedade na qual nasceram. Devem ao acaso, à sorte, até mesmo o fato de terem nascido, em primeiro lugar.

Não que o esforço não deva ser recompensado, e não tenha uma parcela de contribuição, bem entendido. A questão é simplesmente que nenhuma dessas coisas, nenhuma das coisas sobre as quais temos controle e que muitos querem transformar em razões pelas quais eles "merecem" os privilégios que têm, tem uma influência igual a um bilionésimo da que tem o mais puro acaso.

Não importa o quanto alguém trabalhe, estude, busque seus objetivos, o resultado só virá com muita, e muita, sorte. Não importa seu talento, sua força, seu caráter, sua inteligência, seu esforço. Sem sorte, nada disso o levaria a ser o que você é hoje.

Aliás, todas essas coisas se devem à sorte em primeiro lugar. Se fosse outro o espermatozóide que fecundou o óvulo e você não teria nenhuma dessas qualidades. Ou teria qualidades melhores.

No final das contas, a sociedade não nos deve nada. Nada merecemos. Ao contrário, devemos ao acaso, À sociedade, aos nossos pais e família, amigos, conhecidos, parceiros, desafetos, etc. Somos muito mais devedores do que credores, devemos aos outros mais respeito e consideração do que merecemos.

A tal da meritocracia não passa de uma farsa, um conto do vigário que visa enganar as pessoas a reconhecerem um mérito onde ele não existe, a justificar privilégios que ninguém realmente merece. É apenas a velha noção de "nobreza" atualizada: em vez de nobres dizendo que merecem maiores privilégios, respeito e reconhecimento em razão de seu berço de ouro, são os privilegiados de hoje dizendo exatamente a mesma coisa. Em vez de nobres se declarando superiores aos camponeses, são os ricos se declarando superiores aos pobres, e tentando convencê-los disso a todo custo.

Sempre tem gente querendo ser tratada como se fosse melhor do que os outros, achando que são realmente superiores. Mas, na verdade, somos todos absolutamente iguais. O que separa um mendigo do Bill Gates são poucas circunstâncias. Troque menos de 1% delas, e um se transforma no outro.

Então, por que raios deveríamos considerar um melhor que o outro? Ou mais "merecedor" apenas por ter tido mais sorte? Ao contrário, todos merecem exatamente o mesmo respeito, reconhecimento e privilégios, independentemente do que e de quem sejam. Mesmo um assassino poderia ser um santo se as suas circunstâncias fossem um pouquinho diferentes.

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