terça-feira, 15 de julho de 2014

Os donos do capitalismo e o capitalismo dos donos

Os fantasmas do Lehman Brothers e do Bear Stearns, os bancos que faliram na esteira da crise de 2008, continuam provocando arrepios nos investidores.


 
José Carlos Peliano Arquivo

A crise financeira de 2008 ainda não acabou. Seu epicentro nos Estados Unidos permanece por lá com infiltrações nos caixas fortes dos bancos, rachaduras nos sistemas de crédito e débito e nos tremores de apostas em arriscadas alavancagens financeiras. Os bancos do lado de fora do solo americano igualmente sofreram as consequências assim como as economias dos países sede.

O sistema bancário e financeiro americano que dita as normas de funcionamento do mundo do dinheiro caminha com dois passos à frente e um atrás. O risco eminente é de haver troca nas passadas, vindo para duas atrás e uma à frente. O que já seria o sinal vermelho da derrubada da confiança e da garantia de ampla cobertura das quebras. Sinais visíveis da bola de neve financeira sem tamanho ladeira abaixo.

A propalada reforma financeira pós crise de 2008 precisa ser terminada se é que foi levada a termo como convém. A única iniciativa visível até então do governo dos Estados Unidos foi a cobertura de muitos trilhões de dólares para compor a ajuda bancária. Algumas medidas para regular melhor o sistema e impedir práticas financeiras indiscriminadas foram tomadas mas os efeitos ficaram longe de atingir seus objetivos.

Os maiores bancos estão hoje maiores do que eram há 6 anos atrás além de continuarem a se envolver em vários dos mesmos comportamentos de risco que levaram àquele desmonte financeiro. O estopim do epicentro da crise foi as operações de tomada de crédito de curto-prazo no financiamento de aquisições de apólices, certificados e ações de alto risco (especulativas).

Os grandes bancos se juntaram em torno de suas empresas e de bancos menores associados para se defender das tentativas de reformas apresentadas pelo governo federal e das cobranças das agências reguladoras. Pagaram no decorrer das providências administrativas e legais um valor bem menor que o rombo por eles criado, algo no nível de US$ 100 bilhões.

Um ou outro executivo foi processado e multado, e até mesmo preso, enquanto todo o resto do time do pôquer financeiro permaneceu apostando, após o susto, do mesmo jeito que antes. Só que os valores das multas pagas não chegaram aos pés dos totais estimados pelas perdas provocadas ao mercado. Profissionais fora da jogatina consideraram as multas inacreditáveis e tão chocantes quanto indefensáveis.

Os seis maiores bancos americanos, JPMorgan Chase, Bank of America, Citigroup, Wells Fargo, Goldman Sachs e Morgan Stanley estão hoje com patrimônios maiores do que estiveram antes da crise de 2008. Eles detém agora entre eles uma posição em ativos superior a um terço do total que detinham um ano após a crise. Já em relação ao sistema bancário inteiro, que congrega 7.000 organizações, eles são donos de dois terços dos ativos totais.

As medidas adotadas pela Corporação Federal de Segurança de Depósitos, órgão responsável americano, apontam para novos percentuais que os grandes bancos devem seguir em relação a suas operações de empréstimos, levando em conta o total de ativos. Assim, um banco não poderá pedir emprestado mais que US$ 0,95 de cada US$ 1,00 de seus ativos (ações, papeis financeiros, empréstimos hipotecários, empréstimos comerciais, entre outros).

Essas medidas seriam cômicas se não fossem de fato duras e sérias. Pois, assim é, até na maior economia do mundo. Elas só deverão entrar em vigor a partir de 1o de janeiro de 2018. Se o sistema foi mal das pernas em 2008, vindo então tropeçando e tropicando de lá para cá, como poderá ele se sustentar em pé sem desabar até o último dia de 2017?

Ainda mais porque as manobras contábeis tem ajudado aos bancos a manipularem números e percentuais para continuarem a jogar no mercado suas apostas. As fichas estão na mesa e os lances se tornam cada vez mais altos e arriscados. O truque contábil mais evidente e usado com certa frequência é o de maquiar contas de sorte a reduzir o percentual de “alavancagem” de um banco – a relação entre o que o banco detém e o que ele deve.

Dessa forma, a jogatina no mercado de títulos financeiros de toda ordem fica com volume maior e com mais alternativas de negócios e maiores possibilidades de serem mitigadas perdas e melhoradas as chances de ganhos. Ocorre que o nível de risco sobe no mesmo ritmo do nervosismo, tensão e apreensão dos agentes.

Estimativa feita pelo Wall Street Journal indica que cerca de US$ 500 bilhões foram maquiados nos balanços dos grandes bancos americanos e injetados somente no mercado durante o ano passado, fora dos limites legais permitidos, para financiar o volume da jogatina. Aumentando o tamanho e a temeridade da bolha financeira.

Os fantasmas do Lehman Brothers e do Bear Stearns, os bancos americanos que faliram na esteira da crise de 2008, continuam provocando arrepios nos investidores, nos agentes controladores federais e mesmo nos banqueiros e seus operadores. Afinal estes últimos querem mesmo é navegar nas ondas do risco, mas não querem naufragar na jogada errada da especulação.

O grande jogo financeiro americano, não o único, mas o mais pesado e poderoso do planeta, estampa a corrida pelo ganho rápido e fácil, uma sanha destruidora sem limites que beira as raias do descontrole psicológico.

Embora relativamente estimado, o descontrole convive dia a dia com os altos e baixos dos negócios, das cotações, da incerteza latente. Mas há o padrinho fiel, companheiro inseparável dos jogadores, o sistema de reserva federal, disposto e pronto a garantir uma eventual quebradeira sem retorno. Em alguns estados americanos o limite circula por volta de 55% do total da perda. Os estados se associam assim aos jogadores para garantir pouco mais da metade de um possível e cada vez mais provável afundamento.

Os donos do capitalismo na América acabam influindo nas regras do sistema para chegarem a conseguir e ter um capitalismo do jeito que querem, o capitalismo dos donos. Satisfatoriamente sem amarras e impedimentos que prejudiquem a corrida sem barreiras ao lucro.

Há opositores americanos ao sistema de controle, porém, que combatem não só os percentuais de segurança da alavancagem bancária, mas também o prazo de entrada em vigor das novas regras. O que não altera muito o quadro uma vez que o risco do descontrole geral é crescente e progressivo. E uma nova crise pode não estar muito distante no horizonte.

Enquanto isso milhões de africanos morrem de fome, doenças e violência de mercenários. Palestinos assassinados por ações terroristas declaradas. Migrantes ilegais fugindo de seus infernos e caindo noutros legalizados. Desempregados levados às ruas pela esteira da crise de 2008. Entre outros contingentes. O mundo de pernas para o ar. Os donos do capitalismo mandam e desmandam e viram as costas para o capitalismo sem dono, por eles criado, onde vegetam e desesperam  miseráveis, oprimidos, desempregados e indefesos.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013


Na quarta-feira 30, dia em que o Bolsa Família completou dez anos, o senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB, divulgou um projeto de lei inusitado. O tucano deseja tornar permanente o programa que, por anos, atacaram. A mudança de posição chama a atenção, mas não é uma surpresa completa. Ela vem sendo construída por meio de declarações há algum tempo, mas agora toma a forma de um ato político, cujo objetivo é tentar remodelar a imagem do PSDB às vésperas das eleições de 2014.
No primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o PSDB se dedicou a deslegitimar o Bolsa Família. Tucanos de várias estirpes afirmavam, como revela uma busca simples no próprio site do partido, que o programa era “esmola governamental”“esmola eleitoreira”, feito para “atingir as metas eleitorais do PT”,“assistencialismo simplista que não apresenta benefícios concretos”. Em editorial intitulado “Bolsa Esmola” e publicado em 13 de setembro de 2004, o PSDB afirmava que o programa “reduziu-se a um projeto assistencialista” e “resignou-se a um populismo rasteiro”.
Esse discurso criou dois grandes problemas para o PSDB.
O primeiro é dificultar, diante da consagração do programa, que o eleitor ligue o partido ao Bolsa Família. Teria sido fácil para o partido lembrar que o Bolsa Família teve início como uma junção dequatro programas do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso (Bolsa Escola, PNAA, Bolsa Alimentação e Auxílio-Gás) e que a ideia de unir os benefícios foi dada a Lula por um tucano, o governador de Goiás, Marconi Perillo. As críticas distanciaram o PSDB da origem do projeto. E abriram espaço para o PT assumir a paternidade e os dividendos eleitoras do programa a partir da sua ampliação e sofisticaçãoHoje o governo é premiado pela instituição do Bolsa Família, reconhecido mundialmente.
O segundo problema criado pelo discurso do PSDB foi atrair para sua base eleitoral alguns dos setores mais reacionários da sociedade brasileira, os Almeidinhas sobre os quais escreve Matheus Pichonelli. Essa é uma fatia do eleitorado capaz de produzir furor nas redes sociais ao questionar o sufrágio universal, mas insignificante demais para eleger alguém a um cargo público. Como afirmou a ministra Tereza Campello a CartaCapitalrecentemente, não se discute mais quem é contra ou a favor do Bolsa Família.
Com Aécio Neves no comando, a cúpula do PSDB parece estar ciente de que o Bolsa Família é quase uma unanimidade. Muitos dos militantes do partido, entretanto, precisarão passar por uma reeducação. Em maio, na convenção que elegeu Aécio presidente do partido, o senador mineiro afirmou que o “DNA” do PSDB “está em todos os programas de transferência de renda”. Antes dele, porém, tucanos de menor expressão subiram ao palco para reclamar do “bolsa esmola”.
Dois argumentos eleitorais podem ajudar a militância do PSDB a se convencer de que bater no Bolsa Família não é uma boa ideia. O primeiro é resgatar a herança de FHC. Após três derrotas eleitorais, o partido diagnosticou que um de seus problemas foi se distanciar daquele governo. Por ocasião da convenção partidária que elegeu Aécio, em maio, o instituto FHC publicou um documento em favor da tese do DNA tucano do Bolsa Família. Era um recado ao partido.
O PSDB busca, assim, uma vacina contra a costumeira acusação de que, se chegar ao poder, vai acabar com o Bolsa Família. Esse tipo de argumentação é tão frequente que apareceu até mesmo nas últimas eleições municipais de Salvador. No ano passado, ACM Neto (do DEM, outro partido da linha “bolsa esmola”) teve de invocar a figura do avô contra os boatos de que o programa estaria ameaçado caso assumisse a capital baiana. Para isso, lembrou que o então senador Antonio Carlos Magalhães foi um dos artífices da criação do Fundo Nacional de Combate e Erradicação da Pobreza, batalha na qual derrotou o então ministro da Fazenda de FHC, Pedro Malan, contrário ao projeto por conta das pressões do Fundo Monetário Internacional.
A nova postura do partido é, antes de tudo, uma vitória para o Bolsa Família. Maior programa de transferência de renda do mundo, e inspiração para diversos outros países, o Bolsa Família deveria, como afirmou a socióloga Walquiria Domingues Leão Rego, ser um direito constitucionalizado. Ainda que imperfeito, é ainda fundamental para o País.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Novos riscos resultantes dos transgênicos na agricultura: o herbicida 2,4-D, componente do “agente laranja”, usado da Guerra do Vietnã (por Paulo Brack)



 

Nova primavera silenciosa se aproxima? Na pauta* da Reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do próximo dia 19 de setembro de 2013, constam três processos de liberação comercial de sementes transgênicas de soja e milho, da empresa Dow AgroSciences, com adaptação ao herbicida 2,4-D, de alta toxicidade, junto com outros herbicidas, entre eles o glifosato, também tóxico. A intenção dos transgênicos é resistir a estes agrotóxicos potentes, que matam as chamadas “ervas daninhas” (=especismo?), para “aumentar a produtividade” das commodities agrícolas, ou mesmo pastagens. Mas, segundo dados do próprio Ministério da Agricultura, o que vem aumentando exponencialmente é a venda e o uso de herbicidas e outros agrotóxicos. O uso de agrotóxicos subiu no Brasil, em menos de 10 anos, a partir de 2002, em 70%, enquanto a expansão da área agrícola em 60%. Somos, vergonhosamente, os campeões no mundo no uso de biocidas, desde 2009.



O herbicida 2,4-D (ácido diclorofenoxiacético) foi desenvolvido a partir de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, sendo na década de 1960 um dos componentes do agente laranja (junto com o 2,4,5-T, na Guerra do Vietnã). É um produto que tem eficácia contra plantas de folhas largas, sendo por isso utilizado para desbastar as florestas, em mais uma guerra provocada, onde os EUA alegava seu uso para poder “enxergar seus inimigos”. Porém, mais do que isso, foi usado como arma química, causando a morte e malformações em milhares de pessoas**. Ironicamente, a empresa Dow é do mesmo país (EUA) que se diz contra as armas químicas e usa esta “justificativa” para poder atacar agora a Síria.


Esta guerra contra as tais “plantas daninhas”, inclui também a guerra contra a biodiversidade, via morte de plantas as quais mais de 50% delas apresentam potencial de uso alimentício ou medicinal. Um dos produtos mais utilizados hoje com o 2,4-D tem nome comercial Tordon. Nem as pastagens se livram dele. Existe uma gama enorme de alternativas ao uso de herbicidas. A mais inteligente, para começar, é buscar a reconciliação com a biodiversidade, com o consequente banimento das monoculturas, inerentemente quimicodependentes. A Agroecologia e os movimentos sociais no campo têm exemplos de sobra para mostrar que copiar os processos da natureza, sem a atual acumulação ilimitada, é o melhor caminho.


No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) classificou para a saúde o 2,4-D como Extremamente Tóxico (Classe I) e Perigoso para o meio ambiente (Classe III). Os maiores riscos para a saúde residem no potencial de perturbador endócrino (alterar a função hormonal), sendo também potencialmente cancerígeno. Os principais efeitos dos perturbadores endócrinos são androgênico ou estrogênico-dependentes. Segundo Ferment (2013)***, “ interferências em rotas biológicas geradas por perturbações endócrinas podem causar danos sérios e irreversíveis à saúde humana durante o desenvolvimento fetal e infantil”. Além da característica potencial de toxicidade à reprodução (teratogênico), existem fortes evidências de ser geneticamente tóxico (genotóxico).


Alguns autores, citados por Ferment (2013, observaram disfunções dos neurotransmissores e neuro-hormônios dopamina e serotonina em cérebros de ratos quando expostos ao 2,4-D. Alguns testes encontraram danos a células hepáticas humanas, demonstrando alteração da expressão de vários genes associados, entre outras funções biológicas, à resposta imunitária, à resposta ao estresse, ao ciclo celular e à reparação do DNA (ácido desoxirribonucleico). Afetaria também o processo de síntese da progesterona, hormônio central nos processos biológicos do ciclo menstrual feminino, e da prolactina, que está envolvida no processo de lactação. Estudos indicam inibição do processo de amamentação em ratas alimentadas com uma dieta incluindo pequenas doses do herbicida, tendo como consequência a perda de peso da progênie. ”


O 2,4-D tem como destaque sua tendência de se espalhar mais amplamente no ar do que a maioria dos herbicidas, despejados por via aérea ou por terra. Isso pode comprometer o ambiente nas vizinhanças de seu uso agrícola. Em ambientes fechados, como interior de casas, pode ficar ativo durante vários meses, via pó doméstico. Nos EUA, em cidades onde foram realizadas amostras em habitações a presença do 2,4-D variou em cerca de 60 a 90% das residências. Esse tipo de exposição diária doméstica, mesmo em pequenas doses, corresponderia a uma intoxicação crônica, que pode ria desencadear efeitos endócrinos prejudiciais. Outra característica é que o espalhe do produto pelo ar atinge também pomares e outros cultivos localizados nas proximidades das lavouras onde é aplicado este herbicida.


No que se refere ao meio ambiente, o 2,4-D compromete a vegetação nativa das proximidades onde é aplicado, sendo tóxico para micro-organismos do solo, minhocas, insetos beneficiários e outros organismos importantes para o equilíbrio ecológico da lavoura, como abelhas e predadores naturais (joaninhas, vespas, aranhas, etc.). Apresentaria efeito teratogênico em aves (malformações em filhotes). Em meio aquático é considerado com ecotoxicidade elevada para os micro-organismos do plancton, bioacumulando em peixes, contaminando a cadeia alimentar como um todo, incluindo o ser humano e animais domésticos (Fermant, 2013). Quanto às águas subterrâneas, este herbicida pode se infiltrar facilmente nos solos, contaminando os aquíferos.


Até hoje, segundo Ferment (2013), nenhum país autorizou o plantio comercial de plantas transgênicas tolerantes ao 2,4-D. A regularização do 2,4-D sofre risco na União Europeia (UE), em especial por causa das suas potencialidades de perturbador endocrinológico. O autor destaca que o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, dos EUA, solicitou o banimento do herbicida .


O processo paulatino de aumento de resistência das ervas ruderais (“daninhas”) nas lavouras, com relação à tecnologia de plantas geneticamente modificadas (GM), tolerantes aos herbicidas, está trazendo um aumento quantitativo de biocidas em relação às lavouras convencionais. Com o advento desta tecnologia, os produtores começaram a usar cada vez mais herbicidas a base de glifosato por hectare, em meados da década passada. Nesse sentido, tudo indica que a adoção de plantas tolerantes ao 2,4-D irá aumentar ainda mais as quantidades desse herbicida nos grandes países produtores de grãos transgênicos, inclusive no Brasil. Então, daí, qual a sua vantagem?


Até que se faça algo, a liberação comercial deste evento transgênico pela CTNBio será iminente., pois a Comissão não costuma indeferir os pedidos de liberação comercial desde sua constituição legal, em 2005, extrapolando o poder dos órgãos de fiscalização e controle do Estado.


Entretanto, uma campanha começa a surgir, por parte da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural) e do Mogdema (Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente), entre outros movimentos da academia, do campo e da cidade, para evitar que o Brasil se torne o primeiro país a liberar comercialmente um evento para culturas transgênicas ligadas ao uso de um herbicida componente do agente laranja, utilizado na Guerra do Vietnã. Cabe à sociedade acompanhar isso, começando a questionar e pressionar os membros da CTNBio, em especial os relatores, alguns deles pesquisadores de universidades e outras instituições públicas, inclusive do Rio Grande do Sul.




** [BBC] Vietnã ainda sofre com químico jogado por EUA há 40 anos . Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_fotos/2013/09/130910_vietna_laranja_dg.shtml


*** FERMENT, Gilles. Documento contendo avaliação do risco relativo à saúde do trabalhador rural, ao meio ambiente e às práticas agronômicas das plantas transgênicas tolerantes aos herbicidas a base de 2,4-D no âmbito da Agricultura Familiar. Relatório técnico. Brasília: NEAD-MDA, FAO, 2013, 43 p.


Paulo Brack é biólogo, professor da UFRGS, doutor em Ecologia e Recursos Naturais, membro do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá) e da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (Apedema).

Do Sul21

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Vergonha à brasileira

Mais Médicos
Médicos cubanos são hostilizados e chamados de "escravos" pelos colegas brasileiros em Fortaleza.

Veio de um usuário do Twitter um dos melhores comentários feitos até agora sobre a gritaria em torno da vinda dos médicos estrangeiros (leia-se cubanos) ao Brasil. “Médico estrangeiro é populismo. Tem que voltar a política de deixar morrer”. (Módulo ironia off)
Populismo, oportunismo, escravidão (?). Enquanto médicos, fariseus e doutores da lei tentam filtrar os mosquitos, uma fila de camelos é engolida nos rincões fora da rota turística do País. Em outras palavras, as pessoas seguem morrendo, sem que mereçam um franzir de testa de quem parece disposto a armar uma Intifada contra o programa Mais Médicos.
Segundo mapeamento do governo, existem hoje 701 cidades no País sem um único médico a postos. Sabe quantos brasileiros demonstraram, em chamada recente, interesse em trabalhar nesses municípios? Zero. Nesses lugares, falta o básico do básico, conforme mostrou o repórter Gabriel Bonis em sua visita a Sítio do Quinto, município do interior baiano onde a população não tem para onde correr em caso de emergência (o caso mais simbólico foi a morte, testemunhada por uma técnica em enfermagem e um vigia, de um homem que levou uma facada e não pôde ser atendido porque não havia médico de plantão). Não estamos falando de cirurgia de alta complexidade, mas de carência humana, cuja atuação garantiria o tratamento mínimo para problemas mínimos como diarreia, gripe ou ferimentos leves, que neste diapasão de interesses e serviços se transformam em tragédias diárias e desproporcionais.
Tragédias que parecem não comover quem, de antemão, diz se sentir envergonhado pela leva de navios negreiros (?) a aportar por aqui atolados de médicos dispostos a nivelar por baixo a medicina brasileira. Pois Jean Marie Le-Pen, o líder ultradireitista francês de xenofobia desavergonhada, seria capaz de corar ao ver a reação dos médicos brasileiros, de maioria branca, que hostilizaram, vaiaram e chamaram de “escravos” os colegas cubanos, de maioria negra, durante um curso de preparação em Fortaleza. O protesto, organizado pelo Sindicato dos Médicos do Ceará, foi talvez o estágio mais alto de uma ofensiva que já teve até presidente de conselho regional de medicina pregando, como num culto, o boicote aos camaradas estrangeiros. Os manifestantes, que provavelmente se divertem ainda hoje com a herança colonial supostamente encerrada por uma lei - não coincidentemente - denominada Áurea, talvez inovassem a rebelião contra o estado das coisas no período anterior a 1888. O método consiste em cuspir no escravo para manifestar uma repulsa fajuta à escravatura. Parece um método pouco inteligente para quem levou seis anos para retirar o diploma. Não cola.
O episódio mostra que, até mesmo quando se trata de salvar a vida humana, a vida humana é contagiada pela mais devastadora das doenças: a ignorância de quem enxerga o mundo entre o certo e o errado e nada mais entre uma ponta e outra. A ignorância, neste caso, parece desnudar um resquício de desumanidade presente em um dos últimos bolsões de um elitismo pré-colonial. Um elitismo que tolera o esquecimento e a omissão, mas esperneia ao menor sinal de desprestígio, este galgado longe, bem longe, dos salões onde mais se precisa de médicos. Onde o jaleco se suja de terra ao fim do expediente.
A opção de ficar nos grandes centros é, de certo modo, compreensível. Não se discute as fragilidades de um programa de emergência. Seria pouco razoável, por exemplo, negar a ausência de uma estrutura adequada para a atuação de quaisquer médicos pelo interior do País. Seria pouco razoável também negar a dificuldade para amarrar juridicamente um contrato de trabalho que prevê a triangulação entre países (um deles, bem pouco afeito à transparência) para remunerar o trabalhador. Não se nega ainda a necessidade de se regular a atuação desse médico conforme o tamanho de sua responsabilidade. Não se discute a necessidade de se validar diplomas com base em um critério honesto que não tenha como finalidade a reserva de mercado. Da mesma forma, seria razoável (ou deveria ser) supor que a urgência para a garantia de atendimento básico preceda os ajustes de rota – estes facilmente remediados com boa vontade, o que não é o caso de uma vida por um fio.
Mas, para boa parte dos ativistas de ocasião, cruzar os braços diante da suposta politicagem, do suposto populismo, do suposto oportunismo e do suposto navio negreiro é mais nobre do que atacar o problema real. Parecem a versão remodelada da conferência das aranhas do conto A Sereníssima República, de Machado de Assis. É a mais perfeita alegoria de nossa incompetência histórica: “Uns entendem que a aranha deve fazer as teias com fios retos, é o partido retilíneo; outros pensam, ao contrário, que as teias devem ser trabalhadas com fios curvos, - é o partido curvilíneo. Há ainda um terceiro partido, misto e central, com este postulado: as teias devem ser urdidas de fios retos e fios curvos; é o partido reto-curvilíneo; e finalmente, uma quarta divisão política, o partido anti-reto-curvilíneo, que fez tábua rasa de todos os princípios litigantes, e propõe o uso de umas teias urdidas de ar, obra transparente e leve, em que não há linhas de espécie alguma”.
Nessa conferência, a discussão gira em torno dos símbolos atribuídos a uma mesma teia. O imobilismo é o único resultado da gritaria.
Como as aranhas de Machado de Assis, preferimos discutir o sexo dos anjos em vez de atingir o cerne de uma questão urgente: o abandono de uma parte considerável da população. Seria razoável que elas estivessem no centro do debate. Mas a razoabilidade é um objeto raro quando a ala (sempre em tese) mais esclarecida do País tem como um cartão de visita a vaia, a arrogância e a agressão.


Da Carta Capital

segunda-feira, 29 de julho de 2013

ONU: evolução do IDHM mostra progresso impressionante do Brasil

Os dados apresentados nesta segunda-feira (29) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) sobre o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) mostram “melhora significativa” nos indicadores brasileiros, segundo o coordenador do sistema Nações Unidas (ONU) no Brasil e representante do Pnud no país, Jorge Chediek.
Na comparação entre os dados de 1991 e 2010, o IDHM no Brasil subiu de 0,493 para 0,727, avanço de 47,5% em duas décadas. O índice considera indicadores de longevidade, renda e educação e varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor o desenvolvimento do município.
Na avaliação do representante na ONU, nos últimos 20 anos, o país registrou “progresso impressionante” na redução das desigualdades e melhoria do desenvolvimento humano. “Olhamos o Brasil como exemplo de país que tinha passivos históricos de desigualdade econômica, regional e racial. O relatório mostra que, com uma ação clara e forte compromisso da política pública, é possível atacar desigualdades históricas em pouco tempo”, avaliou.

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sexta-feira, 26 de julho de 2013

RS volta a ser a terceira maior economia exportadora do país




As exportações do Rio Grande do Sul totalizaram US$ 11,2 bilhões nos primeiros seis meses de 2013, um crescimento de US$ 2,6 bilhões em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme levantamento divulgado pela Fundação de Economia e Estatística (FEE). As exportações gaúchas registraram, assim, um crescimento de 30,9%, índice bem superior à média nacional (-2,4%) e maior resultado entre os dez maiores estados exportadores do país. O resultado colocou o Estado em terceiro lugar entre os maiores estados exportadores, ficando abaixo apenas de São Paulo (23,30%) e Minas Gerais (14,12%), com 9,74% das exportações nacionais.
Ainda segundo a FEE, as exportações da indústria de transformação registraram crescimento de US$ 1,5 bilhão no acumulado do ano enquanto as exportações agropecuárias aumentaram em US$ 1,1 bilhão  Entre os principais produtos exportados pela agropecuária, destacam-se a soja e o milho. Já na indústria de transformação, houve um crescimento de US$ 1,6 bilhão, devido à exportação de uma plataforma de perfuração/exploração de petróleo.
Os principais destinos das exportações do Estado nestes primeiros seis meses foram: US$ 1,6 bilhão para o Panamá (plataforma de petróleo), US$ 714,3 milhões para a China (53,2%), US$ 159,6 milhões para Taiwan (1.562,6%), US$ 158,2 milhões para a Coréia do Sul (112,8%), US$ 127,8 milhões para o Paraguai (50,5%) e US$ 118,2 milhões para os Estados Unidos (16,6%).

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terça-feira, 16 de julho de 2013

Drauzio Varella e a distribuição de médicos no país

Em artigo divulgado esta semana, o médico e escritor Drauzio Varella revela alguns dados bem interessantes sobre a distribuição de profissionais de medicina pelo país.
- Em uma pequena cidade chamada Santa Maria das Barreiras, interior do Pará, há apenas um médico para 18 mil habitantes. Ele é o cardiologista Sérgio Perini, um cubano formado pelo Instituto Superior de Ciências Médicas de Villa Clara, em Cuba. “As pessoas não têm mais a quem pedir ajuda a não ser a mim. Se tiver mais de três casos urgentes para atender imediatamente, como eu faço?”, lamenta Perini.
- Santa Maria das Barreiras está longe de ser uma exceção. Ela divide este drama com milhares de outros pequenos municípios, afirma Drauzio.
- Dados do Conselho Federal de Medicina, citados por Drauzio Varella, mostra que o país tem 388.015 médicos (dados de 2012), média de 1,8 por mil habitantes. A Argentina tem 3,2, Espanha e Portugal, 4 e Inglaterra, 2,7.
- Apenas 8% dos profissionais estão em municípios de até 50 mil pessoas, que formam 90% das cidades do país.
- O resto do contingente está nas grandes regiões. Brasília, Rio e São Paulo têm taxas de 4,09, 3,62 e 2,64 médicos por mil habitantes. No Amapá, a taxa cai para 0,95. No Pará do cubano Perini, 0,84. No Maranhão, 0,71.
- Em 2011, o governo lançou o Prgrama de Valorização dos Profissionais da Atenção Básica, lembra Drauzio Varella. Médicos recém-formados ganhariam salário inicial de R$ 8 mil. Não foi suficiente. Apesar de.2856 prefeituras solicitarem 13 mil médicos, menos da metade foi atendida.
- Perini, o médico da abertura do texto, diz que aprendeu o conceito de priorizar regiões carentes durante o curso. Por ter aprendido isso, deixou a cidade de São Simão, em Goiás, que tinha 15 médicos para 17 mil habitantes, e foi morar com a família no interior do Pará por um salário menor.
“Quando escuto o CFM falando que os médicos estrangeiros podem não ter formação suficiente, fico indignado. Me dá a impressão de que eles não fazem ideia do que aprendemos por lá”,  lamenta.
- Por último, completa Drauzio Varella: no Brasil há apenas 2 mil médicos especializados em medicina de família cadastrados. A maioria prefere seguir o caminho de outras especializações. O programa anunciado pelo governo pretende, exatamente, reverter esta tendência.

Do blog do Mário Marcos

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Uma esquerda à altura da crise da República, por Tarso Genro (*)



Quinta-feira, 27 de junho, Porto Alegre, frente do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho. Nove horas da noite. Na Praça da Matriz, mais de quatro mil manifestantes fazem seu protesto legítimo em perfeita harmonia, inclusive com as forças da Brigada Militar, que garantem a segurança para a cidadania manifestar-se livremente. Um cordão de isolamento de policiais militares, protegidos por escudos, garante a integridade do Palácio.
Durante uma hora e meia os policiais aguentam impávidos e disciplinados, por ordem originária do próprio Governador, uma chuva de pedras, garrafas e paus, jogadas por aproximadamente 150 mascarados, postados no lado esquerdo do Praça, fundidos no meio de uns 200 manifestantes, que não impedem suas ações violentas e provocativas, mas inibem uma resposta da Polícia, cuja reação poderia atingir pessoas que, inocentemente ou não, não estavam envolvidas na “ação direta”.
No céu, um helicóptero com letreiros eletrônicos voeja rente à Praça, com dizeres contra a existência dos Partidos e afirma que, desta forma –sem os partidos- o Brasil “tem jeito”. Quem promoveu este voo? Quem o pagou? Como ele se conecta com as manifestações?
Dentro do Palácio um “governo de partidos”, eleito no primeiro turno, que governa com mecanismos de participação popular combinados de forma inédita, tais como o Orçamento Participativo, o Gabinete Digital, os Conselhos Regionais de Desenvolvimento, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social , a Consulta Popular. Esta, por exemplo, é um procedimento de votação eletrônica ( 1 milhão e 100 mil votos no anos passado) que, através de perguntas diretas à população, promove a liberação hierarquizada de recursos (este ano, mais de duzentos milhões de reais) para investimentos, principalmente em pequenas obras e nas áreas da saúde e da educação.
Seguramente, neste evento emblemático temos três protagonistas claros da crise: a cidadania manifestando-se na defesa de direitos; grupos “sem rosto” que servem de massa de manobra para provocações, como ocorre historicamente nestas conjunturas (cujos objetivos são obscuros, mas funcionam como desestabilizadores da democracia política); e a direita conspirativa, que trabalha nas “sombras” –no caso, “no ar”- dando sequência ao trabalho feito pela mídia dominante, que nos últimos anos dissolveu o prestígio dos partidos, dos políticos em geral e de todas as instituições democráticas da República.
As causas mais visíveis da insatisfação popular, certamente estão nas péssimas condições do transporte coletivo e do sistema de saúde pública nas grandes regiões metropolitanas. Ou seja, na verdade faltou Estado, seja como prestador, seja como organizador-controlador, o que se combinou com a ascensão de milhões de jovens ao mundo do trabalho e às universidades públicas e não públicas (estas, através do Prouni), sufocando, não só a mobilidade destas grandes regiões, mas também a capacidade da estruturas públicas prestarem serviços de mediana qualidade. De outra parte, os apelos da sociedade consumista oferecem promessas espetaculares que apenas uma parte da população pode acessar, transformando o desejo sonegado de muitos em frustração, crime e violência irracional.
Não se pode omitir que sobre estas condições ocorreu um processo geral de hipnose fascista, que não tem precedentes na História do país. E esta “hipnose” concentrou seu convencimento, não na denúncia das desigualdades e da riqueza concentrada, mas na denúncia da “corrupção”, como se ela fosse uma propriedade e uma qualidade dos políticos atuais e dos governos atuais.
Não foi promovido o combate à corrupção como mazela de um Estado reprodutor de desigualdades e protetor de privilégios corporativos e de classe, pois isso suporia reconhecer que tanto nos partidos, no serviço público, como nas empresas, em todas instituições (até mesmo na mídia), há uma grande maioria de pessoas que não tolera a corrupção e que não a aceita, por princípios morais e políticos. A campanha foi feita de modo a incriminar de maneira plena a esfera da política, os partidos e, particularmente, os dois governos que colocaram os pobres e os trabalhadores como protagonistas da cena pública.
Ao fazer uma incriminação generalizada colocando, de um lado, a grande imprensa como a virtude moral do país, e, de outro lado, os partidos e os agentes públicos como a fontes da corrupção, o que ocorreu foi a degradação dos instrumentos democráticos para combater a própria corrupção, restando a grande mídia como fonte de toda a moralidade republicana, com poderes totalitários para dizer quem presta e quem não presta, quem merece confiança e quem não merece. Assim, quando um Juiz Privado, a mídia, transforma-se em monopólio do Juízo Público, estamos entrando numa crise da República: a marginalidade violenta e os fascistas clássicos e pós-modernos, que emergem nesta situação, não precisam mais se conter e sentem-se autorizados ideologicamente a saquear e a incendiar.
É preciso compreender, porém, que o que está ocorrendo no país não é mera invenção midiática. É óbvio que os partidos de esquerda e as instituições “dissolvidas” por esta manipulação sobre a corrupção não são inocentes. Seus vícios, seu acomodamento ideológico, seu afastamento das questões mais intensas que desqualificam a vida cotidiana do povo, facilitaram esta agenda da direita que, como se vê, sorri satisfeita com toda a crise e pretende transformá-la em cavalo de batalha eleitoral. Nossos partidos precisam captar esta energia criadora que vem das ruas e transformá-la em políticas democráticas de largo alcance.
Nestas circunstâncias, a crise da democracia transmudou-se em crise da República. Isso não quer dizer, no entanto, que o pacto democrático não possa ser recuperado, tanto pela “via conservadora”, como pela “via da radicalização da democracia”. Na primeira hipótese, pela “via conservadora”, basta que os poderes voltem a funcionar em relativa harmonia, para simular que “as coisas começaram a melhorar”. Se eles voltarem a operar nesta relativa harmonia, os clamores populares poderão deixar de ser valorizados pelos meios de comunicação e a situação poderá se acalmar, mas a democracia não será revalorizada e a República não será reformada. Nem serão criadas novas instituições que permitam fortalecer a intervenção do povo no processo político e, em consequência, as “crises” virão ainda mais fortes no futuro.
A essência da crise atual, portanto, é que os poderes republicanos e as suas instituições políticas não tem mais chances de recuperar sua plena legitimidade para dar eficiência à democracia - capacidade de resposta às justas demandas populares -, sem novas formas de participação nas decisões públicas e sem novas fontes de legitimação do poder. O Congresso tem mecanismos burocráticos de funcionamento que permitem, frequentemente, que interesses escusos impeçam votações e que minorias sem programa e sem princípios dominem a cena parlamentar, desprestigiando todo o corpo representativo. É preciso um sopro “direto” do povo para que ele se atualize e se sensibilize com os problemas reais que o país atravessa.
Falo aqui de uma assembleia constituinte (revisora) específica, convocada conforme a Constituição, por Emenda Constitucional, para conectar as instituições políticas da República com o povo, que é o poder constituinte real. Seu objetivo é integrar, de forma direta, a atual energia política despertada pelas grandes manifestações de massas, com delegados eleitos especialmente para fazer a Reforma Política.
Estes representantes, eleitos para este fim específico, impossibilitados de concorrerem nas próximas eleições, (admitido um percentual de representantes “sem partido”), pressionados democraticamente pela sociedade em movimento poderiam, através de mudanças substancias nas normas constitucionais que versam sobre os Partidos, financiamento das campanhas e Direito Eleitoral, “democratizar a democracia”, como diz Boaventura Souza Santos. E assim expandir os marcos da participação direta do povo, já previstos na atual Constituição Federal, combinando-a com a representação estável e previsível dos processos eleitorais tradicionais.
O que está ocorrendo durante as manifestações é também a sequência de uma lenta e eficaz lavagem cerebral midiática, acolhida amplamente nas “redes sociais”, cujo objetivo está sintetizado na visão de que “o gigante acordou”, “vamos construir um novo Brasil” e “vamos varrer com a corrupção”. Tais sínteses traduzem uma mentira meticulosamente construída, pois os avanços democráticos que o país vem sofrendo, inclusive na luta contra a corrupção, datam da Constituição de 88 e, no plano social, dos dois governos do Presidente Lula, ampliados inclusive no atual governo.
Estas “palavras de ordem”, induzidas dos porões da direita extrema, levam as novas gerações a uma romantização do futuro, com graves frustrações de médio prazo. Embora a crise das regiões metropolitanas -motivação imediata das inconformidades em pauta- venha de erros e omissões dos atuais e anteriores governos (especialmente no que refere ao transporte urbano e a saúde), nenhuma destas questões será resolvida em profundidade nos próximos dez anos. São bilhões a serem investidos e repassados aos estados e às prefeituras, que precisam enfrentar as agruras da crise mundial e a promoção de uma Reforma Tributária, que principalmente desonere os pobres e as novas classes médias e, em contrapartida, onere as grandes fortunas e as transações do capital especulativo e rentista.
O fato é que as grandes mobilizações populares abriram caminhos que estão em disputa no campo da política. Os partidos de esquerda, se estiveram à altura da crise atual, se forem mesmo de esquerda e democráticos, devem adotar uma estratégia unitária de revalorização da ação política e dos partidos, combinando-a com a criação de novos canais de democracia direta e de participação popular, articulados com a democracia representativa. Ou seremos vencidos pelo conservadorismo, que poderá nos levar às novas formas de totalitarismo pós-moderno, que tanto controlará as mentes, a pauta, como ditará o que é lícito ou ilícito, numa democracia ainda mais elitista do que a presente.

(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Jogaram PRISM no ventilador

 


Interessante como o tempo passa e as teorias da conspiração vão se mostrando verdades incontestáveis. É claro que estou me referindo ao escândalo do PRISM, onde o governo dos USA admite que sua agência de inteligência tem acesso direto, irrestrito e em tempo real às bases de dados de todos os principais “players” da Internet e das companhias telefônicas dentro e fora de suas fronteiras. Resumindo, Google, Microsoft, Yahoo e Facebook permitiam que suas ideias fosses vistas “em tempo de escrita”, ou seja, enquanto você às redigia on-line.
É claro que elas tentaram negar, mas depois da declaração do “Obamis” confirmando, reiterando, justificando e defendendo os atos de escrutínio, as negativas não tiveram qualquer credibilidade. Então, caro leitor, será que você não está devendo um pedido formal de desculpas para aquele seu amigo ou conhecido que você chamou de doido, conspiracionista, paranoico ou radical? hein? Sentindo aquele friozinho chato que da no estômago quando se esta redondamente enganado sobre algo? Pois é, esse pode ser um excelente momento para rever seus conceitos. O tal amigo não quer suas desculpas verbais, lembre-se ele é um radical. Ele quer que você mostre seu arrependimento tomando uma atitude! Mas qual?
O nome do sistema – PRISM – me remeteu diretamente ao meu cursinho pré-vestibular. Um certo dia de manhã estava na aula especial de matemática onde o professor dizia que tangenciar significava “tocar” em apenas um ponto. Já no curso de física o professor falava sobre a refração da luz quando passava por um prisma. Ele discorria sobre as propriedades do ângulo de 45°, onde a luz sairia do prisma, sobre a face do mesmo, e ele descreveu essa posição do raio de luz como “tangenciando a face”. Imediatamente aquilo não parecia correto. Afinal de contas tangenciar era tocar em um único ponto, e aquele desenho no quadro, onde a luz passava por cima da face do prisma, tocava infinitos pontos. Questionei e fui surpreendido com o tom arrogante e desdenhoso do professor: “as coisas na física são diferentes do que na matemática” me disse ele. Foi preciso uma discussão que interrompeu a aula naquele dia, para que o professor admitisse que a física baseia-se na matemática e portanto não poderia subverter esse conceito. O que é certo é certo.
Desde que o PRISM veio à tona percebo a indignação geral como uma espécie de despertar. É como se todos os alertas, desde o Patriot Act, do Bush, passando pelas lendárias ações do CARNIVORE e todas as palestras do Stallman, tivessem sido em vão. As pessoas não queriam acreditar que empresas com cara de boazinhas como Yahoo, Google e Facebook pudesse fazer esse tipo de coisa. Mesmo com todos sabendo, desde sempre, da colaboração entre o “Face” e o FBI. Mas as reações mais severas tem vindo de dentro do próprio povo norte americano e credito que isso se deve a sua própria arrogância. Enquanto fossem monitorados outros países, tudo bem, mas eles mesmos? Que ultraje, um absurdo, que horror, inaceitável! :-)
Mas há uma parcela importante da sociedade que já suspeitava de forma concreta de todo esse monitoramento. Estavam bem inteirados. Tinham conhecimento de causa, conhecimento técnico e vivência nas trincheiras do combate às desigualdades sociais e dos desmandos das forças poderosas. Estou me referindo ao terceiro setor, às organizações sociais. Estas estruturas sempre se utilizaram da tecnologia como meio para fortalecer seu ponto de vista, arregimentar simpatizantes para suas causas, criar movimentos de catarse popular, tuitassos, facebookassos e demais! Afinal de contas ter boas ferramentas à disposição, gratuitas e com forte apelo popular é tudo de bom! Especialmente para essas empresas poderem monitorar a tudo e a todos, servindo como ponte para o solidário, humanitário, cristão e desinteressado governo dos USA!
Enquanto era só boato ou teoria da conspiração, então vamos usando. Não há como confirmar que o Skype grava nossas conversas, então vamos usá-lo para coordenar nossos movimentos de campanhas sociais. Vamos usar o Facebook para promover aquele movimento ou para combater a invasão de privacidade. Vamos fazer reuniões ativistas pelo Hangout (eu já fiz isso, por isso sei o quanto é maluco) do G+!
É claro que as redes sociais tem sua função e sua importância. Eu as reconheço bem. Mas nãos se podem usá-las a qualquer custo. Os fins não justificam os meios. Não para nós do terceiro setor. Nestes dias de debates acalorados um disse: “os que usam somente Software Livre tem que ser mais coerentes que os que não usam”. Concordo! E o que dizer dos vegetarianos, dos combatentes da corrupção, dos ecologistas, dos defensores dos consumidores, das liberdades cibernéticas, dos sindicatos? Igualmente. Porque faz parte do fardo de querer corrigir a sociedade ser desqualificado por qualquer falta, por menor que seja, de coerência.
Agora o rei está nu. E a sua nudez é pública, provada e comprovada. Não há mais dúvidas quanto ao monitoramento ostensivo e ativo do governo dos USA, usando essas empresas de tecnologia e telefonia, para saber da sua vida, das suas ações e das ações dos movimentos sociais organizados. Não foi acidente a CIA ter informado o Egito sobre a movimentação da tomada da praça Tahir, quatro meses antes dela acontecer. Esse tipo de poder não deveria estar disponível para ninguém e muito menos capitaneado pelos movimentos sociais.
Então este é um momento crucial e importantíssimo! Você e sua organização, movimento, coletivo, associação, sindicato, etc vai aceitar, sem reação, esse tipo de devassidão? Estou conclamando a todos para fazermos um movimento de reação organizada para esvaziar esses sistemas devassos! Vamos migrar para ambientes seguros, livres e que garantam sua privacidade. Sim isso é possível. Não temos que deixar de nos beneficiar das redes sociais. Apenas temos que saber usá-las para o bem do coletivo e não de algumas empresas e governos.
Abaixo segue uma tabelinha de opções:
A lista é muito maior e há alternativas livres e seguras para todas as necessidades.
Jogaram PRISM no ventilador. Espalhou para todo lado, respingou em todo mundo. Você vai se limpar ou não?
Saudações Livres!
@anahuacpg
Diaspora

Via Trezentos