Nova primavera silenciosa se aproxima? Na pauta*
da Reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio), do próximo dia 19 de setembro de 2013, constam três
processos de liberação comercial de sementes transgênicas de soja
e milho, da empresa Dow AgroSciences, com adaptação ao herbicida
2,4-D, de alta toxicidade, junto com outros herbicidas, entre eles o
glifosato, também tóxico. A intenção dos transgênicos é
resistir a estes agrotóxicos potentes, que matam as chamadas “ervas
daninhas” (=especismo?), para “aumentar a produtividade” das
commodities agrícolas, ou mesmo pastagens. Mas, segundo dados do
próprio Ministério da Agricultura, o que vem aumentando
exponencialmente é a venda e o uso de herbicidas e outros
agrotóxicos. O uso de agrotóxicos subiu no Brasil, em menos de 10
anos, a partir de 2002, em 70%, enquanto a expansão da área
agrícola em 60%. Somos, vergonhosamente, os campeões no mundo no
uso de biocidas, desde 2009.
O herbicida 2,4-D (ácido diclorofenoxiacético)
foi desenvolvido a partir de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial,
sendo na década de 1960 um dos componentes do agente laranja (junto
com o 2,4,5-T, na Guerra do Vietnã). É um produto que tem eficácia
contra plantas de folhas largas, sendo por isso utilizado para
desbastar as florestas, em mais uma guerra provocada, onde os EUA
alegava seu uso para poder “enxergar seus inimigos”. Porém, mais
do que isso, foi usado como arma química, causando a morte e
malformações em milhares de pessoas**. Ironicamente, a empresa Dow
é do mesmo país (EUA) que se diz contra as armas químicas e usa
esta “justificativa” para poder atacar agora a Síria.
Esta guerra contra as tais “plantas daninhas”,
inclui também a guerra contra a biodiversidade, via morte de plantas
as quais mais de 50% delas apresentam potencial de uso alimentício
ou medicinal. Um dos produtos mais utilizados hoje com o 2,4-D tem
nome comercial Tordon. Nem as pastagens se livram dele. Existe uma
gama enorme de alternativas ao uso de herbicidas. A mais inteligente,
para começar, é buscar a reconciliação com a biodiversidade, com
o consequente banimento das monoculturas, inerentemente
quimicodependentes. A Agroecologia e os movimentos sociais no campo
têm exemplos de sobra para mostrar que copiar os processos da
natureza, sem a atual acumulação ilimitada, é o melhor caminho.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) classificou para a saúde o 2,4-D como
Extremamente Tóxico (Classe I) e Perigoso para o meio ambiente
(Classe III). Os maiores riscos para a saúde residem no
potencial de perturbador endócrino (alterar a função hormonal),
sendo também potencialmente cancerígeno. Os principais efeitos dos
perturbadores endócrinos são androgênico ou
estrogênico-dependentes. Segundo Ferment (2013)***, “
interferências em rotas biológicas geradas por perturbações
endócrinas podem causar danos sérios e irreversíveis à saúde
humana durante o desenvolvimento fetal e infantil”. Além da
característica potencial de toxicidade à reprodução
(teratogênico), existem fortes evidências de ser geneticamente
tóxico (genotóxico).
Alguns autores, citados por Ferment (2013,
observaram disfunções dos neurotransmissores e neuro-hormônios
dopamina e serotonina em cérebros de ratos quando expostos ao 2,4-D.
Alguns testes encontraram danos a células hepáticas humanas,
demonstrando alteração da expressão de vários genes associados,
entre outras funções biológicas, à resposta imunitária, à
resposta ao estresse, ao ciclo celular e à reparação do DNA (ácido
desoxirribonucleico). Afetaria também o processo de síntese da
progesterona, hormônio central nos processos biológicos do ciclo
menstrual feminino, e da prolactina, que está envolvida no processo
de lactação. Estudos indicam inibição do processo de amamentação
em ratas alimentadas com uma dieta incluindo pequenas doses do
herbicida, tendo como consequência a perda de peso da progênie. ”
O 2,4-D tem como destaque sua tendência de se
espalhar mais amplamente no ar do que a maioria dos herbicidas,
despejados por via aérea ou por terra. Isso pode comprometer o
ambiente nas vizinhanças de seu uso agrícola. Em ambientes
fechados, como interior de casas, pode ficar ativo durante vários
meses, via pó doméstico. Nos EUA, em cidades onde foram realizadas
amostras em habitações a presença do 2,4-D variou em cerca de 60 a
90% das residências. Esse tipo de exposição diária doméstica,
mesmo em pequenas doses, corresponderia a uma intoxicação crônica,
que pode ria desencadear efeitos endócrinos prejudiciais. Outra
característica é que o espalhe do produto pelo ar atinge também
pomares e outros cultivos localizados nas proximidades das lavouras
onde é aplicado este herbicida.
No que se refere ao meio ambiente, o 2,4-D
compromete a vegetação nativa das proximidades onde é aplicado,
sendo tóxico para micro-organismos do solo, minhocas, insetos
beneficiários e outros organismos importantes para o equilíbrio
ecológico da lavoura, como abelhas e predadores naturais (joaninhas,
vespas, aranhas, etc.). Apresentaria efeito teratogênico em aves
(malformações em filhotes). Em meio aquático é considerado com
ecotoxicidade elevada para os micro-organismos do plancton,
bioacumulando em peixes, contaminando a cadeia alimentar como um
todo, incluindo o ser humano e animais domésticos (Fermant, 2013).
Quanto às águas subterrâneas, este herbicida pode se infiltrar
facilmente nos solos, contaminando os aquíferos.
Até hoje, segundo Ferment (2013), nenhum país
autorizou o plantio comercial de plantas transgênicas tolerantes ao
2,4-D. A regularização do 2,4-D sofre risco na União Europeia
(UE), em especial por causa das suas potencialidades de perturbador
endocrinológico. O autor destaca que o Conselho de Defesa dos
Recursos Naturais, dos EUA, solicitou o banimento do herbicida .
O processo paulatino de aumento de resistência
das ervas ruderais (“daninhas”) nas lavouras, com relação à
tecnologia de plantas geneticamente modificadas (GM), tolerantes aos
herbicidas, está trazendo um aumento quantitativo de biocidas em
relação às lavouras convencionais. Com o advento desta tecnologia,
os produtores começaram a usar cada vez mais herbicidas a base de
glifosato por hectare, em meados da década passada. Nesse sentido,
tudo indica que a adoção de plantas tolerantes ao 2,4-D irá
aumentar ainda mais as quantidades desse herbicida nos grandes países
produtores de grãos transgênicos, inclusive no Brasil. Então, daí,
qual a sua vantagem?
Até que se faça algo, a liberação comercial
deste evento transgênico pela CTNBio será iminente., pois a
Comissão não costuma indeferir os pedidos de liberação comercial
desde sua constituição legal, em 2005, extrapolando o poder dos
órgãos de fiscalização e controle do Estado.
Entretanto, uma campanha começa a surgir, por
parte da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente
Natural) e do Mogdema (Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente),
entre outros movimentos da academia, do campo e da cidade, para
evitar que o Brasil se torne o primeiro país a liberar
comercialmente um evento para culturas transgênicas ligadas ao uso
de um herbicida componente do agente laranja, utilizado na Guerra do
Vietnã. Cabe à sociedade acompanhar isso, começando a questionar e
pressionar os membros da CTNBio, em especial os relatores, alguns
deles pesquisadores de universidades e outras instituições
públicas, inclusive do Rio Grande do Sul.
** [BBC] Vietnã ainda sofre com químico jogado
por EUA há 40 anos . Disponível
em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_fotos/2013/09/130910_vietna_laranja_dg.shtml
http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_fotos/2013/09/130910_vietna_laranja_dg.shtml
*** FERMENT, Gilles. Documento contendo avaliação
do risco relativo à saúde do trabalhador rural, ao meio ambiente e
às práticas agronômicas das plantas transgênicas tolerantes aos
herbicidas a base de 2,4-D no âmbito da Agricultura Familiar.
Relatório técnico. Brasília: NEAD-MDA, FAO, 2013, 43 p.
Paulo Brack é biólogo, professor da UFRGS,
doutor em Ecologia e Recursos Naturais, membro do Instituto Gaúcho
de Estudos Ambientais (Ingá) e da Assembleia Permanente de Entidades
em Defesa do Meio Ambiente (Apedema).
Do Sul21
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