sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A estranha ciência de Mangabeira Unger

Jornal do Brasil de 23/01/09

Mauro Santayana

Sócrates inaugurou a filosofia do Ocidente com uma dúvida sobre o próprio saber; Mangabeira Unger está poupado disso. Pico de la Mirandola orgulhava-se de ser o mais sábio do mundo na Idade do Renascimento. Em tempo de mais informações e saberes, o ministro pretende superá-lo. Mangabeira é exímio em direito, qualidade que o fez mestre em Harvard e trustee dos interesses do banqueiro Daniel Dantas nos Estados Unidos. É doutor em ética política, que o autorizou a pedir o impeachment do presidente Lula, mas não o impediu de ir a Canossa, perdão, à Esplanada dos Ministérios, cavar uma posição de poder. Entende de ecologia, economia política, estratégia militar, cosmologia, e não conseguimos vislumbrar mais entre as distantes nebulosas em que mergulham os seus penetrantes conhecimentos. Como ex-professor de Barack Obama em Harvard, Unger convocou o novo presidente à classe, a fim de lhe ministrar alguns conselhos.

Mas, não obstante tantos saberes, Unger não dispõe de legitimidade política para estabelecer os rumos futuros da sociedade nacional, nem se erigir, como se está erigindo, primeiro dos ministros do governo. Ele deveria expor suas idéias ao presidente, e não vir a público criticar os colegas, de forma autoritária e deselegante. Depois de tornar insustentável a permanência da ministra Marina Silva, Mangabeira busca agora minar a autoridade de Carlos Minc. Tanto com Marina quanto com Minc, a política ambiental não vem sendo das melhores, mas a Unger falta autoridade para mudá-la. Essa é uma prerrogativa do Congresso e do presidente da República. Lula cometeu grande erro, ao atender José Alencar e nomear quem o ofendera, de forma grosseira, e em público, pouco antes. Se Mangabeira fosse líder partidário, ainda se admitiria o entendimento, que é normal na realidade da política.

O ministro de não sabemos bem o quê, critica agora o programa Bolsa Família, executado com probidade, esforços e resultados efetivos pelo ministro Patrus Ananias. Sua magnífica sapiência quer que os recursos se apliquem em quem se encontra próximo da classe média, e não no “núcleo duro da pobreza”. Neto de político profissional, que procedia das velhas oligarquias baianas, Unger não sabe o que é pobreza. Não conhece um casebre do Cariri ou do Jequitinhonha, em que paredes de barro e varas cercam um fogão sem trempes, e uma só panela, esteiras no chão e arames em que se dependuram as poucas roupas. Mas desses barracos – e Patrus, nascido na beira do sertão do Jequitinhonha conhece-os bem – têm surgido homens e mulheres fortes, capazes de trabalhar duro, educar-se, servir a seu país, como serviram durante a Segunda Guerra Mundial, e continuam servindo, no corte de cana; na construção civil; nas modestas salas de aula de seu meio; nas fábricas e até mesmo nas universidades. Foi desse meio que veio o presidente Lula.

Todos os homens nascem com o mesmo potencial de inteligência. O Prouni está provando que adolescentes mal nutridos, e que necessitaram de ajuda governamental para se alimentar e transportar-se para as universidades, têm o mesmo rendimento escolar de seus colegas de classe média.

Mas entre os argumentos de Unger está o de que não se devem oferecer cursos a pobres, porque se encontram “culturalmente inibidos” para incluir-se na sociedade de produção. Não é privando-os de ajuda que o grande pensador irá libertá-los dessa alegada inibição. Ele deveria saber, se conhecesse o mundo real, que a esperança eleva os homens, não o desespero. O desespero e a fome alimentaram o cangaço no passado e a criminalidade urbana de nosso tempo.

Há uma diferença entre o saber acadêmico e a ação política. Muitos acadêmicos costumam levar para o poder a presunção de infalibilidade da cátedra. Para esses, a sociedade é apenas uma grande sala de aula, e não o conjunto de cidadãos com sua pluralidade de crenças e vontades, de diversificada inteligência do mundo e de essencial liberdade de pensar e de decidir coletivamente. Por isso não negociam; mandam. Por isso não indagam; determinam. Uma coisa é certa: a presença do grande sábio na equipe ministerial está solapando o desempenho do governo.

Agiu bem o ministro Patrus Ananias em não responder às críticas. Ele tem como resposta o acerto das normas adotadas pela sua pasta na execução do mais amplo e bem sucedido sistema de assistência e inclusão dos brasileiros mais pobres na sociedade nacional.

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