segunda-feira, 27 de julho de 2009

A crônica esportiva gaúcha “endireitou”

O alerta precisa ser feito: olho na crônica esportiva gaúcha! Ela “endireitou” de vez e está substituindo os velhos colunistas do jornalismo político na defesa da força repressora a qualquer custo contra os movimentos populares e no ataque constante aos partidos de esquerda. Com muito mais eficiência, por ocupar espaços “não-políticos” de grande audiência que envolvem paixões mais intensas do que a própria política partidária: o futebol.

É um fenômeno crescente e que agora atingiu limites perigosos. A toda hora, nos programas esportivos, os figurões da área emitem opiniões sobre fatos políticos, sem enfrentar o contraditório. Defendem os poderosos de plantão, quase sempre patrocinadores dos programas de rádio, apóiam a violência policial como necessária contra os manifestantes “bárbaros”. Esses figurões estão fazendo a cabeça de jovens despolitizados que não conheceram o livre debate nos movimentos estudantis, estão reforçando os conceitos cada vez mais represssores da classe média acuada pela violência criminal do cotidiano e, no final das contas, contribuem para a justificação das atitudes contrárias às liberdades democráticas em marcha sob o comando de políticos da direita e setores duros das corporações militares.

Até pouco tempo atrás o espaço na mídia para defesa das liberdades democráticas do cidadão era menor em função da ditadura militar. Nesse ambiente de represssão geral, à crônica esportiva se permitiu a liberdade de opinião, desde que limitada a seu universo esportivo. Desse ambiente de silêncio emergiram figurões da crônica esportiva que saltaram para análises do social. Entre eles Paulo Santana, que virou colunista, Lasier Martins, que virou porta-voz dos grandes empresários e partidos que defendem os grandes empresários. O passo seguinte foi a entrada na política. Ex-atletas da dupla Grenal se lançaram ao ataque e ganharam cadeiras no Parlamento. Radialistas esportivos igualmente.

Retomada a “liberdade de imprensa” pós-redemocratização do país – na verdade a liberdade que o jornalista da grande imprensa recebe dos donos dos veículos para criticar à vontade quem os donos dos grandes veículos liberam para crítica –, a crônica esportiva voltou ao seu corner. Só que um novo fato atropelou o jornalismo esportivo: a necessidade de ocupar cada vez mais horários nas grades das rádios e das tevês, algo que resultou na profusão de programas esportivos, de debates, de reportagens, de placar da rodada, etc, que está por trás do atual fenômeno de endireitamento da crônica esportiva.

Em função da necessidade de chamar a atenção dos ouvintes (leia-se: conquista da audiência) um simples fato tem que ser polemizado. Ou como diz o técnico do Grêmio, Paulo Autuori: “dramatizado”. A unha encravada de um atacante vira centro de debate em todas as rádios e em todos os programas esportivos. Dois jogos sem vitória de um treinador ocupam horas e horas de falsa polêmica por causa da necessidade de teatralizar a informação, esquentar ao extremo, para o programa pegar fogo e atrair a audiência móvel dos infiéis ouvintes que são fiéis apenas à sua paixão clubística. O mesmo fato é repetido exaustivamente ao meio dia nos esportes, nas salas de redação até o apito final do dia.

A soma de horas que as rádios dedicam aos esportes (leia-se futebol ou dupla Grenal) precisa ser calculada, mas é grande. Simples repórteres de campo ou setoristas de clubes são guindados à condição de âncora de novos programas e assumem novas posturas: de transmissores de notícias a show-men. Mudam o tom de voz e de comportamento, falam com arroubos sensacionalistas, de cada simples episódio fazem uma grande polêmica, tudo porque precisam encher lingüiça, como se dizia antigamente, e precisam de um Ibope maior para manter seu programa no ar, duela a quem duela…

Essa necessidade de ocupar intermináveis horários por si só não explica nem justifica a “endireitação” da crônica esportiva gaúcha. Soma-se a ela a linha editorial dos donos dos veículos, seus acordos com os patrocinadores dos programas. Então, libera-se as opiniões dos novos show-men, que, com tempo de sobra, fazem incursões nos fatos do dia a dia. Por causa disso, em meio a um programa de debate esportivo surge uma opinião de que “ninguém tem que fazer manifestação na frente da casa da governadora”… Segue o programa. E surge outra: “a Brigada cumpre o seu papel (leia-se bater, bater nos manifestantes, nos torcedores que querem entrar no estádio com ingresso na mão), pior sem ela”. E surge outra pior, defendendo que a Brigada arranque faixas das torcidas (leia-se: censura à opinião), concedendo à farda o poder de censor dos tempos da ditudura militar. Ou então: “deixa a mulher trabalhar, chega de politicagem (sobre as denúncias de corrupção no governo Yeda)”. Ou então, o que é ainda pior: cronista esportivo substituto de mediador de programa polêmico de debate sobre fatos não-esportivos ser chamado a atenção por um integrante da mesa de que está sendo parcial na defesa da Brigada Militar.

Daqui alguns meses vamos viver um novo período eleitoral. Políticos como o narrador Haroldo de Souza ou o ex-treinador Cassiá vão deixar o microfone por força da lei. Candidatos só poderão falar nos espaços legais de campanha. Críticas ou elogios apenas no horário político. Mas fiquem atentos aos programas esportivos. Neles inexiste cartão vermelho para apresentadores que sempre dão um jeito de marcar gol em impedimento. Seguem emitindo opiniões cada vez mais de direita. Quem incomoda o governo que detém o patrocinador Banrisul, CEEE, Corsan leva cartão amarelo. Quem se manifesta contra os pedágios das concessionárias de estradas (leia-se: patrocinadoras) é bagunceiro. Quem ousa cobrar apuração das denúncias de corrupção do governo Yeda merece ficar no banco.

Tudo isso leva a uma triste conclusão: a chamada “válvula de escape” nos duros tempos da ditadura, ilha de liberdade de opinião, hoje está a serviço da repressão das manifestações populares, da não apuração de denúncias, e da justificação da crescente violência militar contra essa parcela sociedade. O que é profundamente lamentável, torcida brasileira, porque muitos desses radialistas se formaram durante a luta da sociedade por uma imprensa livre. Pra eles uma pergunta: … e nós, que amávamos tanto as liberades democráticas, como ficamos?

Por Eurico Booth

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