terça-feira, 1 de setembro de 2009

Mais do mesmo

Montagem: Vitor Hugo Soares/Reprodução
Record tenta imitar Globo e faz pior, analisa especialista Diogo Moyses
Record tenta imitar Globo e faz pior, analisa especialista Diogo Moyses

Diogo Moyses
De São Paulo

A imprensa deu grande destaque à disputa travada entre Globo e Record nas últimas semanas.

A emissora da família Marinho se aproveitou do inquérito no qual Edir Macedo é réu e tratou de disparar contra a Record. Do ponto de vista jornalístico, a abertura de um processo contra o fundador da Iurd não significa muita coisa. Só a vontade de surrar a concorrente justifica a cobertura desproporcional levada a cabo pela Globo.

A Record contra-atacou e tratou de lembrar o histórico global de pouco afeto à democracia, sua relação com os sucessivos regimes militares e as tentativas de interferência direta em processos eleitorais. Um histórico pouco louvável, diga-se, e que certamente precisa ser recordado e registrado para evitarmos coisas parecidas no futuro.

Nas duas semanas seguintes, muitos apontaram - inclusive aqui em Terra Magazine - tratar-se de uma disputa puramente comercial, movida por interesses privados, e não pela determinação de informar à sociedade fatos relevantes.

Fomos lembrados, também corretamente, que a peleja é ilegal, porque ambas as emissoras utilizaram suas concessões (públicas) para defender interesses privados, e não para produzir um jornalismo movido pelo interesse público.

Nessa confusão toda, muita gente boa comemora o fato da Record estar incomodando a liderança absoluta da Globo, em termos de audiência e faturamento. Faz algum sentido, afinal, o monopólio do principal meio de comunicação do país (já que o acesso à Internet ainda engatinha no Brasil) é o que de pior pode acontecer numa nação que se pretende democrática, ou que pelo menos almeja desenvolver sua democracia.

Parece importante, contudo, olhar a ascensão da Record também sob uma outra perspectiva: na tentativa de ascender e incomodar a líder, faz-se tudo exatamente como ela. E pior.

As novelas da Record (também da Band e do SBT, claro) são cópias mal-feitas das novelas globais. O jornalismo é uma reprodução piorada. O Fantástico foi clonado. Os programas de auditório são imitações evidentes, assim como o principal programa de esporte do final de semana. Até o Gugu foi contratado para concorrer com o Faustão.

O maior símbolo da tentativa de reproduzir o que faz a Globo foi o tal A Fazenda, reprodução grosseira do já insuportável Big Brother.

Inclusive os nomes dos programas, em geral, remetem aos seus espelhos globais, de forma que o telespectador imediatamente entenda tratar-se de uma versão do que está na outra emissora: Domingo Espetacular, Esporte Fantástico, Tela Máxima, Louca Família...

Talvez a única diferença relevante da Record seja seu programa matinal, realmente sem espelho fiel na emissora do Jardim Botânico.

As outras emissoras reproduzem a mesma lógica. Se a programação da Record já é uma cópia piorada, o que dizer das outras?

A digressão evidentemente não pretende defender o monopólio da Globo. Longe de mim. Duas ou três emissoras fortes é obviamente melhor do que uma. Monopólio e liberdade de expressão não combinam. Nós brasileiros, infelizmente, sabemos bem disso.

Trata-se, acima de tudo, de chamar a atenção para o fato de que emissoras comerciais tendem a reproduzir os modelos consagrados, já que o seu objetivo é o mesmo da emissora líder: conseguir a maior audiência possível para maximizar o lucro. A família Marinho, João Carlos Saad, Silvio Santos, Edir Macedo e Amílcare Dallevo querem todos a mesma coisa.

Por isso, a ascensão de emissoras que operam na mesma lógica não necessariamente ajuda a democratizar as comunicações brasileiras. É sempre, ou quase sempre, mais do mesmo.

Vejamos o caso dos jornais impressos: a competição entre Folha de S. Paulo, Estadão e O Globo é capaz de dar voz aos diferentes setores da sociedade? Os três jornais partilham de pontos de vista semelhantes, se alinham com os setores conservadores da sociedade e são contrários aos movimentos populares e sociais. Há aí diversidade e pluralidade?

O mesmo se aplica à televisão.

Para uma verdadeira democratização da televisão, o melhor caminho é cumprir a Constituição Federal, até hoje solenemente ignorada, e construir no Brasil um vigoroso Sistema Público de Comunicação, com emissoras independentes tanto das forças de mercado quanto dos governos de plantão.

Ainda engatinhamos nessa direção, mas alguns passos foram dados recentemente com a criação da TV Brasil.

A democracia brasileira agradecerá se a iniciativa se consolidar e passar realmente a ser uma alternativa às emissoras comerciais.


Diogo Moyses é jornalista e radialista especializado em regulação e políticas de comunicação, pesquisador do Idec - Instituto Brasileira de Defesa do Consumidor e autor de A convergência tecnológica das telecomunicações e o direito do consumidor.

Do Terramagazine

Nenhum comentário:

Postar um comentário