Os primeiros 100 dias da presidenta Dilma Rousseff tem gerado estranhamento, principalmente entre os setores posicionados mais à esquerda no espectro político brasileiro. As críticas têm sido direcionadas ao que seriam recuos e capitulações “desnecessárias” diante da direita. Entre estes, estaria a mudança de inflexão na política internacional, com a retomada de um diálogo mais forte com os Estados Unidos, o tratamento considerado duro dado aos trabalhadores na questão do salário mínimo e do reajuste da alíquota do Imposto de Renda, e uma série de pequenas questões, como a que envolve a ministra Ana de Hollanda e sua defesa do direito autoral.
Já registrei aqui neste espaço o fato de Dilma estar obrigada a administrar uma reação conservadora ao seu governo (diferentemente de Tarso, no Rio Grande do Sul). Num primeiro momento, me pareceu que a presidenta estava jogando muito retrancada, mas hoje vejo que não. Exceto pelo fato (no mínimo lamentável) de Obama ter dado ordem de ataque à Líbia em meio à visita ao Brasil, nossa presidenta conquistou num único lance um novo patamar de relação internacional.
O estranhamento que os setores postados à esquerda vêm tendo também tem surgido à direita. Um amigo que circula no meio empresarial paulista me alertava há cerca de 20 dias que muitos opositores de Lula estavam ficando surpresos positivamente com Dilma. Ou seja, em que pese o combate radical dos jornalões e a campanha selvagem do segundo turno, muito rapidamente o empresariado estaria se reposicionando e aderindo ao projeto de desenvolvimento do país, que tem no PAC sua alavanca de propulsão e em Dilma sua liderança.
Os índices da primeira pesquisa de opinião sobre o governo federal, publicados neste domingo pelo Datafolha, mostram que os movimentos da presidenta Dilma até agora têm sido corretos. Com um mundo globalizado, afetado por tsunamis econômicos e climáticos, desregulado por revoltas, em geral positivas, porque orientadas contra ditaduras, mas sem uma condução política precisa, ameaçado pela recidiva frequente de uma crise profunda do capitalismo, Dilma precisa mesmo reposicionar o Brasil no contexto mundial.
Daí, receber um Obama enfraquecido e cercado por uma direita americana belicista e reacionária, lutar por uma alteração e um assento no Conselho de Segurança da ONU, defender o fim das barreiras a produtos brasileiros no mercado americano, estabelecer a paz mundial como meta, é um passo além do que fez Lula, e é um passo que este também daria, sem nenhuma dúvida.
Se externamente a situação é complexa, internamente Dilma não pode permitir o mesmo que Obama em seus primeiros dois anos de governo. Obama, ao invés de ampliar e fortalecer o campo da mudança, que o elegeu, permitiu que a direita crescesse e o cercasse por todos os lados. A presidenta Dilma, nestes 100 dias, está completando o processo de afirmação de sua eleição, cercando os adversários e se acercando dos principais problemas. Estão aí os números do Datafolha para provar. Dilma cresceu depois da eleição.
Acho que é de Marx a ideia de que fazemos história em condições adversas. O Brasil hoje chama a atenção do mundo, mas não apenas pelas suas riquezas materiais. Somos um país que tem tudo para vencer em meio à turbulência internacional. É neste mundo atual, do século XXI, e não no mundo do século XX, que estamos destinados a nos tornar uma grande nação.
A visita de Obama abre um novo cenário para o país. O quadro internacional é o primeiro motivo para me fazer concordar com Dilma nos primeiros 100 dias. O quadro nacional, que sucede uma campanha em que a direita tentou abrir terreno para o velho golpismo e autoritarismo, é controverso e turbulento, e exige serenidade para construir o futuro. O governo federal, até o momento, tem se mostrado à altura dos desafios externos e internos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário