sábado, 25 de agosto de 2012

Mentiras e desfaçatez custam caro à Monsanto

 



Os agrotóxicos fazem bem à saúde e são nossos amigos

Atendendo a uma ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região condenou a Monsanto a pagar R$ 500 mil por danos morais aos consumidores por veicular, em 2004, propaganda em que relacionava o uso de soja transgênica e de herbicida à base de glifosato como benéficos ao meio ambiente. A informação é do Última Instância. Também foi obrigada a divulgar outro anúncio esclarecendo os danos dos agrotóxicos à saúde. Cabe recurso. Diálogo presente no comercial:
- Pai, o que é o orgulho?
- O orgulho: orgulho é o que eu sinto quando olho essa lavoura. Quando eu vejo a importância dessa soja transgênica para a agricultura e a economia do Brasil. O orgulho é saber que a gente está protegendo o meio ambiente, usando o plantio direto com menos herbicida. O orgulho é poder ajudar o país a produzir mais alimentos e de qualidade. Entendeu o que é orgulho, filho?
- Entendi, é o que sinto de você, pai.
Nhom! Uns acham fofo. Eu fico com um pouco de vergonha alheia…
Também de acordo com o Última Instância, o relator do caso, desembargador Jorge Maurique, afirmou que “a propaganda deveria, no mínimo, advertir que os benefícios nela apregoados não são unânimes no meio científico e advertir expressamente sobre os malefícios da utilização de agrotóxicos de qualquer espécie”. Na época, o uso de sementes geneticamente modificadas nem havia sido ainda aprovada quando o vídeo foi ao ar. Segundo o MPF, a peça publicitária serviu para preparar terreno para tanto. “A ré realizou propaganda abusiva e enganosa, pois enalteceu produto cuja venda era proibida no Brasil e não esclareceu que seus pretensos benefícios são muito contestados no meio científico, inclusive com estudos sérios em sentido contrário ao apregoado pela Monsanto”, diz Maurique.
O Brasil continua sendo rápido para aprovar produtos químicos que trazem lucro a poucos e lento para tirá-los de circulação ou punir quem abusou – quando fica provado que causam danos a muitos. Muitos agrotóxicos proibidos nos Estados Unidos, na União Européia e em alguns de nossos vizinhos latinos correm soltos – literalmente – contaminando água, terra e ar por aqui. E, por conseguinte, milhares de pessoas diretamente e milhões indiretamente. Mais de 1,5 milhão (das 5,2 milhões de propriedades rurais do país) utiliza agrotóxicos, fazendo do Brasil o seu maior consumidor mundial.
O último Censo Agropecuário revelou que apenas 21% das propriedades declaravam receber instrução regular sobre o uso dos produtos químicos. O Rio Grande do Sul, estado em que correu o processo contra a Monsanto, é o que mais utiliza agrotóxicos em todo o país: ao todo, de acordo com o Censo, eram mais de 273 mil propriedades adeptas a esse expediente. Dados analisados pela Repórter Brasil mostram que, com o argumento em prol do aumento da produção, 46% das propriedades rurais que cultivavam soja recorreram a sementes geneticamente modificadas. A imensa maioria das lavouras desse grão fazia uso de agrotóxicos (95%) e adubação química (90%).
Quem já assistiu ao filme “Obrigado por fumar” (Thank You for Smoking, 2006), que satiriza a indústria do tabaco e as associações de lobby que atuam nos Estados Unidos, sabe o que é o discurso da defesa do indefensável.
É engraçado ver as falas cínicas do protagonista do filme e imaginar quantos cidadãos norte-americanos caem nesse conversê na vida real. Mas a história fica trágica quando verificamos que os mesmos discursos são descarregados sobre nós diariamente para justificar qualquer coisa. Entre elas, a expansão agropecuária irracional no Brasil. Perda de empregos, falta de comida, interesses estrangeiros, ecatombe maia (dezembro de 2012 já tá aí, né?), tudo é usado como desculpa para continuar passando por cima, com regras frágeis. Os filmes promocionais de empresas que produzem agrotóxicos entram nessa categoria. É de chorar de emoção.
Em março do ano passado, a Folha de S.Paulo trouxe uma boa reportagem apontando que foi encontrado agrotóxico em leite materno no Mato Grosso. Segue um trecho:
“O leite materno de mulheres de Lucas do Rio Verde, cidade de 45 mil habitantes na região central de Mato Grosso, está contaminado por agrotóxicos, revela uma pesquisa da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). Foram coletadas amostras de leite de 62 mulheres, 3 delas da zona rural, entre fevereiro e junho de 2010. O município é um dos principais produtores de grãos do MT. A presença de agrotóxicos foi detectada em todas. Em algumas delas havia até seis tipos diferentes do produto. Essas substâncias podem pôr em risco a saúde das crianças, diz o toxicologista Félix Reyes, da Unicamp. “Bebês em período de lactação são mais suscetíveis, pois sua defesa não está completamente desenvolvida.” Ele ressalta, porém, que os efeitos dependem dos níveis ingeridos. A ingestão diária de leite não foi avaliada, então não é possível saber se a quantidade encontrada está acima do permitido por lei. “A avaliação deve ser feita caso a caso, mas crianças não podem ser expostas a substâncias estranhas ao organismo”, diz Reyes.”
E o outro lado, ouvido pela reportagem:
“A Associação Nacional de Defesa Vegetal, representante dos produtores de agrotóxicos, diz desconhecer detalhes da pesquisa, mas ressalta que a avaliação de estudos toxicológicos é complexa. Segundo a entidade, faltam estudos que comprovem prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente. Não há evidências científicas de que, quando usados apropriadamente, os defensivos agrícolas causem efeito à saúde.”
Colocados contra a parede, setores envolvidos com materiais que potencialmente causam danos à saúde sempre escapam usando em profusão expressões como: “Não há evidências” e “Faltam estudos”.
Quando a Anvisa faz uma reavaliação toxicológica de substâncias químicas, parte dos produtores alega que vetos causarão aumento de custos. Entendo o lado deles, mas aceitar algo que já mostrou que não é tão seguro assim é uma bomba-relógio prestes a explodir em algum momento. Isso sem considerar que, no Brasil, o lobby dos agrotóxicos é pesado. Daria uma filme ou novela tão engraçados e trágicos quanto o da indústria do tabaco. O problema seria encontrar financiador.
Particularmente, sou a favor da liberdade de expressão total e sem restrições nas propagandas e anúncios. Que se diga tudo sobre a mercadoria – a parte boa e aquilo que se esconde para que ele seja vendido. Indústrias se defendem dizendo que não vão revelar informações que as coloquem em maus lençóis. Tudo bem! Abram espaço na TV para podermos trazer o outro lado. Mas se os anunciantes trouxessem a maior quantidade possível de informações sobre o que oferecem a nós, teríamos um país mais consciente. E uma revolução em alguns setores – da produção de salgadinhos até os agrotóxicos.

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