Desde sexta-feira à noite, quando o Azenha postou Globo consegue o que a ditadura não conseguiu: calar imprensa alternativa, nós conversamos bastante.
Temos várias coisas em comum. A paixão pela reportagem. A indignação
com o crescente “jornalixo” brasileiro, que estupra a verdade factual,
atenta contra a democracia, criminaliza os movimentos sociais, viola os
direitos humanos e a cidadania. A preocupação com a justiça social, dar
voz a quem não tem. A defesa do SUS e da saúde pública.
Porém, democraticamente divergimos em relação ao futuro do Viomundo.
Sou contra o fim do site. Se a Globo está jogando seus “tomahawk”
contra nós e outros jornalistas/blogueiros de esquerda, é porque
incomodamos, estamos no caminho certo. Mais um motivo para não jogarmos
a toalha.
Lembra-se, Azenha, da petição em favor da pesquisa com células tronco-embrionárias? E do golpe D’Urso?
Em abril de 2007, após o Congresso aprovar e o presidente Lula
sancionar, a lei que autorizava esse tipo de pesquisa no Brasil foi
parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O então subprocurador-geral da
República, Cláudio Fonteles, alegou que era inconstitucional.
Questionado sobre se sua ação não teria motivação religiosa, o
franciscano Fonteles acusou Mayana Zatz de viés judaico.
Diante do silêncio profundo que se seguiu, indignei-me. Na condição
de cidadã, redigi um texto, repudiando a desesperada manobra para
desviar o foco do debate. O texto acabou virando uma petição que
destinei ao STF: Células tronco-embrionárias. Direito à esperança de cura e à liberdade de pesquisa, sim. Ao obscurantismo, não.
Eu ainda não conhecia pessoalmente o Azenha. O Viomundo, no entanto, foi o primeiro veículo a publicar a petição, com este destaque no título: Eu apoio. Ao final, conseguimos 48.519 assinaturas. A petição foi usada pela defesa no julgamento do STF.
Em 26 de setembro de 2007, estreiei no Viomundo, denunciando um dos idealizadores do movimento tucano-direitista Cansei, Luiz Flávio D’Urso, que era presidente da OAB-SP.
D’Urso, além de alardear que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apoiava o Cansei, divulgou que o seu presidente havia colocado toda a infraestrutura da entidade para ajudar o movimento. Era mentira.
Em fevereiro de 2008, denunciamos a epidemia midiática de febre amarela.
Um verdadeiro crime contra a saúde pública cometido pela velha mídia. O
pânico desencadeado pela combinação de má-fé e incompetência de grande
parte da imprensa levou milhões de pessoas a se vacinar inutilmente e a
correr riscos desnecessários devido aos efeitos colaterais. Duas
morreram estupidamente.
Impossível não relembrar, por exemplo:
Nossa razão de existir: o interesse público com base na verdade
factual em prol de bens maiores, como a defesa da democracia, da
cidadania, da saúde pública, dos direitos humanos, dos movimentos
sociais e das minorias.
Tudo isso só foi possível devido à independência do site, sem
conflitos de interesse, e a cooperação de vocês, nossos milhares de
leitores, e dos colaboradores voluntários que fomos conquistando.
Pressões nunca faltaram. Houve ministro mandando recado. Na última
semana, uma pessoa que alguns de vocês conhecem teve o desplante de
ligar para o Azenha, pedindo a minha cabeça, como o Serra e o Aécio
fazem com os jornalistas que lhes fazem perguntas embaraçosas e matérias
desfavoráveis.
Azenha deu risada. Como eu daria, se alguém viesse questionar a seriedade, a lisura e a ética profissional do Azenha.
Nós estamos juntos no Viomundo há quase seis anos.
Temos plena autonomia de trabalho, pois agimos sempre com muita
responsabilidade. Nossas denúncias não são baseadas em achismos. Elas
só vão para o ar depois de muito investigadas.
Tudo isso, confesso, à custa de muito sacrifício pessoal. É com o
dinheiro que ganho como free-lancer e livro na área de saúde que eu
posso fazer o Viomundo.
Já disse aqui
que entendo as razões do Azenha. É duríssimo ser penalizado por exercer
o seu direito constitucional de expressar a sua opinião. Assim como é
duríssimo ver tolhido o seu direito ao exercício adequado da profissão
de jornalista.
Pior é que tudo muito surreal, kafkaniano, mesmo.
A Globo alardeia a liberdade de expressão e de imprensa. A dela,
claro, pois a nossa, ela tenta silenciar por meio de processos. Isso é
censura!
Queremos a regulamentação dos meios de comunicação, como já existe
na Inglaterra, EUA, Argentina e Venezuela. A Globo e o restante da mídia
corporativa dizem que é censura, quando não é.
Paradoxalmente, ela pode destruir a reputação de quem desejar, pois
sabe que conta com impunidade. Já nós, pela simples menção de um nome,
somos alvo de processo.
Já pensaram quanto o Lula lucraria se um belo dia o ex-presidente
decidir processar a Globo & Cia, com base no que já o difamaram?
No Viomundo, nunca nos recusamos a publicar
contestações de quem quer que seja. Tanto que já postamos notas do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do senador Aécio Neves.
Procedimento que a velha mídia usualmente não tem com as vozes
discordantes.
A Globo leva despudoradamente 70% das verbas publicitárias do governo
federal, que paga para apanhar. Mas basta esse mesmo governo anunciar
em algum blog progressista para ser chamado às falas pela velha mídia,
que posa de vestal, e o veículo ser tachado de chapa branca.
Azenha já disse trocentas vezes. O Viomundo não
aceita nem pleiteia verba de governos federal, estaduais e municipais.
Porém, em nome da pluralidade e da democratização da informação,
defendemos que o governo federal anuncie também na blogosfera
progressista, como faz em outros veículos da própria internet. Queremos
equidade de tratamento em respeito à pluralidade democrática.
A questão não é financeira e sim política. Incomodamos não só porque
mostramos os malfeitos da mídia corporativa, como também os dos seus
apaniguados.
A Globo, ao tentar nos calar, não quer apenas ficar livre de críticas
incômodas à sua atuação. Ela quer também proteger os seus aliados
políticos.
Lembram-se da bolinha de papel que, em 2010, atingiu a cabeça de José
Serra, levando-o a fazer uma tomografia num hospital no Rio de Janeiro?
E da hipocrisia de dona Mônica Serra que, em campanha na Baixada
Fluminense, disse que a Dilma queria matar criancinhas, quando ela
própria já havia feito aborto? Essas armadilhas – todos sabem — só foram
desmascaradas graças à blogosfera de esquerda.
Em entrevista que me concedeu esta semana, o presidente do Sindicato
dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, José Augusto
Camargo (Guto), alertou: “Estamos assistindo ao crescimento da
violência contra os jornalistas no Brasil. Vão de ameaças veladas,
intimidações, ações na Justiça a agressões e assassinatos. Tudo isso
levando ao cerceamento do exercício da profissão”.
Os processos contra Azenha, Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello,
Cloaca, Luís Nassif e Paulo Henrique Amorim demonstram essa violência.
Ontem à noite, Gerson Carneiro postou nos comentários uma foto com
Azenha, eu, ele e Dukrai (João Aguiar), no 1º Encontro de Blogueiros
Progressistas, realizado em São Paulo, em 2010. Legendou-a como o
famoso postulado de Saint-Exupery: “Tu te tornas eternamente responsável
por aquilo que cativas”
Queridíssimo Gerson, sabia que isso torna tudo mais difícil neste momento?
Concordo com Igor Felippe, outro queridíssimo, quando diz que o Viomundo já saiu das nossas mãos.
Construímos o Viomundo não mirando no próprio
umbigo. Mas, pensando em mostrar, de forma transparente, democrática e
digna, o que a mídia corporativa não divulga, em dar voz aos movimentos
sociais e aos que pensam fora da caixa.
Talvez até por isso o Viomundo tenha se tornado
muitíssimo maior do que nós. Sem dúvida, uma conquista, que nunca
teríamos conseguido sem vocês, leitores e colaboradores voluntários.
Azenha, eu já te disse e repito: respeito e entendo os seus motivos.
Mas reflita. O fim do Viomundo é exatamente o que outros inimigos nossos mais querem. Já estão a comemorar essa possibilidade. Fechar o Viomundo,
portanto, é fazer o jogo deles. Defendo que façamos exatamente o
contrário do que eles desejam. Temos que seguir adiante pela confiança
que nossos milhares de leitores depositam em nós. Não vamos deixar que
nos calem.
Tenho certeza de que o seo Azenha, comuna de quatro costados das antigas, concordaria comigo e com os milhares de leitores e amigos do Viomundo,
que, desde sexta-feira, nos emocionam com tanta solidariedade. À luta,
amigo queridíssimo, companheiro de batalha por um Jornalismo decente,
parceiro de trabalho.
Primeiro lugar, isso não é censura. Azenha e seu parceiro PHA, gostam de cuspir no prato que comeram. Esses sim fazem parte da imprensa marrom. O controle da mídia que existe hoje é feito pelo Judiciário que deve fazer uma análise imparcial (nunca política) dos fatos. Neste caso, o Judiciário condenou Azenha e isso não é censura, é condenação judicial.
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