terça-feira, 21 de junho de 2011

Democracia: vale quanto pesa a eleição


Um assunto que não tem cansado os midiáticos detratores do atual governo é a não extradição, para a Itália, do “terrorista” ou simplesmente “assassino” Cesare Battisti. A matéria é dada como líquida e certa: o Brasil, mais uma vez, eles dizem, incorreu em vexame internacional por culpa de uma política externa “esquerdista”.


Li, contudo, artigo na revista Piauí, que é tudo menos governista, onde é destrinchado toda a embrulhada, de forma favorável a Cesare. Em resumo, ele era um marginal, no sentido de posto à margem do sistema produtivo, sem oportunidades, filho de um comunista histórico na região do sul da Itália onde nasceu. Vivendo a custa de assaltos, foi, ainda jovem, cooptado para a ação de um grupo radical de esquerda. Suas atribuições passaram a ser, basicamente, prover fundos à organização; isto, como é de se prever, implica em “expropriações”, a exemplo do que ocorreu no Brasil. Algumas das ações tiveram vítimas; Cesare não admite culpa, mas foi responsabilizado por crimes depois que o líder de sua facção indiciou-o, em um processo de delação, devidamente premiada com a liberdade para o alcaguete. A partir daí, o enredo se dirige a todas as direções possíveis, com Cesare sendo abrigado na França (a foto que ilustra o presente texto é de um site francês a favor da libertação dele) como exilado político e, saibam todos, não extraditado mesmo com dupla solicitação judicial pelo governo italiano. Assim, antes do Brasil, a França reconheceu-o, malgrado todas as implicações de seus atos, como ator político contra a arbitrariedade do regime italiano, tido por democrático – e esta é a principal versão daqueles que o querem extraditado: Cesare teria sido um criminoso comum contra o Estado Democrático de Direito (na matéria da Piauí - cuja leitura recomendo para formação de juízo sobre a questão, ao menos para ouvir o outro lado - alguns entrevistados contestam a democracia italiana, principalmente a que corria nos anos 70, época dos atentados).

Porém... Toda a confusão em torno de Battisti se deu justamente em meio a eleições italianas. Berlusconi, em baixa, buscou uma forma de projetar seu “perfil de estadista”. Nada melhor para isso do que jogar na política internacional na “defesa do povo italiano”.

Este governo, democrático, se supõe, de Direito, se supõe, no entanto é responsável por uma ação desumana contra imigrantes, mesmo que ilegais. É o caso: pescadores tunisianos, à costa da Sicilia, resgataram 44 migrantes africanos que naufragavam com sua balsa proximamente à ilha de Lampedusa. Por terem salvo da morte esses africanos, os pescadores foram processados pelo governo, por ajudarem imigrantes ilegais. Depois disso, em outros casos análogos, os pescadores da região deixaram que se afogassem outros migrantes, e pior: para impedi-los de chegar à costa, os surravam com varas. Não é atitude de governo defensor dos direitos humanos.

Mas tem outro caso que nos afligiu diretamente: um banqueiro, Salvatore Cacciola, fraudou o mercado brasileiro, onde atuava em sua instituição, o Banco Marka. Contando com a leniência do Judiciário brasileiro, fugiu para a Itália. O governo brasileiro pediu sua extradição como criminoso foragido, mas a Itália negou por se tratar de cidadão italiano. Enquanto jogava em Mônaco, porém, Cacciola foi preso e encaminhado ao Brasil. Ele não era um criminoso político, nem de esquerda nem de direita, mas um criminoso comum de dupla nacionalidade. Deveria ter sido extraditado para o Brasil, mas a Itália negou-se a isso.

Portanto, em se tratando de matéria na verdade controversa, e considerando ainda que o regime penal brasileiro difere do italiano e, de regra, não poderia ser extraditado quem cumpriria em seu próprio país pena inexistente em outro (Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália, pena inexistente no Brasil), o caso estaria encerrado, não fosse a mídia brasileira e a exploração de um sobrevivente a um dos  atentados supostamente praticados por Battisti, agora um senhor (o sobrevivente) em cadeira de rodas. Mas este, á época do atentado, era um jovem, que foi atingido pelo próprio pai, quando este reagiu ao assalto de sua joalheria a tiros, com o que acabou sendo morto.

Finalizando, com duplos objetivos eleitorais, no Brasil e na Itália, faz-se um rumor excessivo sobre uma questão que não possui parecer unânime. Na falta da unanimidade (que, justamente, atingia Cacciola, condenado por crimes financeiros em processo bem fundamentado), a extradição constituiria uma violação dos próprios tratados de extradição entre os países. É sempre ruim perder eleições, como se vê.

Do Blog da profesora Rachel Nunes

6 comentários:

  1. O Brasil não tem de se meter em assuntos internos e que fazem parte da história italiana. Se Césare Battisti é inocente que ele diga isso na Itália, que é um país democrático, mesmo que seja governado atualmente por um bufão direitista. Não cabe ao Brasil julgar fatos que ocorreram em outros paises e que dizem respeito a crimes comuns (o STF, no julgamento da extradição) decidiu que os crimes não eram políticos. A decisão do Lula foi vergonhosa.

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  2. Errado, Carlos: se Cesare está no Brasil e a Itália pede sua extradição, a decisão sobre ela cabe ao Brasil, não é assunto interno da Itália; a condenação de Battisti foi obtida através de processo com provas nebulosas, "produzidas" pela polícia, e por isso a França negou sua extradição á Itália, quando Cesare morava lá e escrevia livros policiais editados pela Galimard (e na própria Itália pela Einaudi); ao Brasil cabe julgar de acordo com suas leis, e à luz das leis brasileiras, por uma série de circunstâncias, Cesare deveria ficar no Brasil, mesmo que os crimes que o envolvam não sejam políticos; extraditado à Itália, restaria a Cesare cumprir a pena de prisão perpétua, sem mais recursos, sem mais defesas (há nos autos uma "procuração" com assinatura de Cesare para comprovar que ele constituiu representação perante a Justiça italiana, mas descobriu-se que o documento é falso; há outros problemas de ordem processal na condenação). Não se pode condenar ninguém em meio a um processo controverso, semelhante a muitos que foram produzidos na Itália na mesma época, onde vigoravam leis de exceção no trato das lutas políticas, institucionais ou revolucionárias.

    Embirrou de forma desarrazoada, como aliás é da natureza da birra: ela é infantil.

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  3. Seu raciocínio estaria correto, professora RAchel se os crimes que teriam sido cometidos por Césare fossem políticos. O STF decidiu que os crimes são comuns. Este é o ponto fundamental, a Itália, na década de 70, não estava sob regime de exceção, nem nas décadas posteriores. O argumento de Tarso Genro é de que se Césare fosse devolvido à Itália sofreria riscos. Riscos de que? O fato é que foi uma decisão impopular do governo brasileiro (a decisão não foi do STF, foi do Lula) , tanto no Brasil como na Itália. E o interessante é que em relação aos boxistas cubanos -- esses sim vivem em regime de exceção e o asilo deveria ter sido concedido -- a decisão do Tarso Genro foi outra. Em resumo, rasgou-se as regras do direito internacional e se aplicou a ideologia burra e barata.

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  4. Mais, a França autorizou a extradicao de Battisti. A Corte de Acusação de Paris negou a extradicao, mas em fevereiro de 2004, o Conselho de Estado da França analisou novo pedido e autorizou que Cesare Battisti fosse extraditado. Antes que o decreto fosse assinado, Battisti fugiu para o Brasil, ingressando no pais com passaporte falso.

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  5. Semopre operando por distorção, Carlos... Bem, meu marido havia me avisado para não debater contigo porque sua missão de propaganda se sobrepõe à razão. Poderia perder meu tempo discutindo as suas distorções, mas não o farei. Você é por demais ideologizado.

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  6. Professora Rachel, você disse que a França negou a extadição a Battisti. Não é verdade. O Conselho de Estado concedeu a extradição a Itália. Isso é fato, não é propaganda e nem ideologia. Aliás, como diz o filósofo francês Luc Ferry temos de nos sobrepor (e transpor) às ideologias e religiões.

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