Virou
quase lugar-comum dizer que o Brasil é um dos campeões mundiais em
impostos, e comparar nosso pacote de serviços públicos com os oferecidos
por países com carga tributária igual ou maior. Esses argumentos deixam
de lado dois detalhes importantes: somos também destaque mundial em
desigualdade social, e temos uma massa de desassistidos comparável
apenas a países como China e Índia. Ou seja, sai caro, muito caro, para
uma nação com tal perfil, oferecer, mesmo precariamente, uma estrutura
de amparo universal.
O
Brasil é mesmo um país de contradições. Na manhã da quarta-feira 14, um
grupo de pessoas acompanhou acontagem do Impostômetro, o marcador
gigante instalado pela Associação Comercial de São Paulo no centro da
cidade para medir a arrecadação do governo. Neste ano, diz a entidade,
atingimos a marca de 1 trilhão de reais 35 dias mais cedo do que em
2010. A cifra foi acompanhada por vaias do grupo de pessoas aglomerado
diante do display. Não as culpo. Vende-se, por estas bandas, a ideia de
que dinheiro de imposto é dinheiro subtraído da sociedade. Um argumento
tão repetido pela mídia (e pela oposição ao governo) que, para muitos,
se tornou uma verdade.
Em um brilhante artigo publicado recentemente no Valor Econômico,
o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, mostrou que a desigualdade
social, medida pelo índice Gini, caiu 9,5% entre 2003 e 2009. Sem os
gastos em programas de transferência de renda realizados na última
década, a melhora teria sido de apenas 1,5%. No mesmo texto, Pochmann
levanta uma questão que tem méritos de sobra para tirar o sono dos
brasileiros: por que os ricos pagam, proporcionalmente, tão menos
impostos?
Logo, uma alta arrecadação é algo a ser comemorado, e não lamentado.
A
estrutura social brasileira é perversa sobretudo porque dá àqueles que
deixam a base da pirâmide a sensação de estar muito acima da maioria.
Ainda que continue a anos-luz de distância do topo, parte da classe
média é mortalmente tentada a comprar um discurso que interessa apenas a
quem está lá em cima.
É
sinal de que o governo eleito democraticamente dispõe de mais recursos
para atender às necessidades da população que o elegeu. Como alguém em
sã consciência pode reclamar da saúde e da educação públicas e querer ir
às ruas protestar por menos impostos? Exigir das autoridades o melhor
uso possível dos recursos do orçamento é um dever cívico em qualquer
país, assim como cobrar o combate permanente à corrupção. Mas imaginar
que um governo será capaz de, com menos dinheiro, sustentar a máquina
estatal, fazer os investimentos necessários (para ontem) em
infraestrutura e melhorar o pacote de serviços à população é
simplesmente absurdo!
A
reforma tributária pela qual nossos formadores de opinião deveriam se
empenhar passa, necessariamente, pela troca de impostos que recaem sobre
o consumo – e penalizam os consumidores indistintamente – por uma
estrutura mais progressiva. É possível, sim, criar novas (e mais altas)
alíquotas de IR para faixas de rendimento mais elevadas, elevar os
encargos sobre itens supérfluos e de luxo, taxar grandes fortunas (a
exemplo do que faz a Inglaterra e outros países desenvolvidos) e
aparelhar melhor a equipe da Receita Federal até que ninguém consiga
passar um fim de semana tranquilo em sua mansão no Guarujá sem a certeza
de estar em dia com o Leão.
Não
se iludam: um cofre público mais gordo revela que a economia está em
crescimento, e que a inclusão social trouxe mais gente para dividir o
fardo de sustentar o País. A alta na arrecadação também pode indicar
avanços do Fisco no combate à sonegação – um mal tão danoso à sociedade
quanto a corrupção. O combate à evasão tributária deveria ser festejado
sobretudo por quem tem sua fatia descontada diretamente no salário, e
não conta com recursos de “engenharia financeira” para pagar fugir às
obrigações, nem remete recursos a paraísos fiscais…
Estamos batendo record de arrecadação. Não tem que aumentar imposto, tem de melhorar o atendimento do serviço público, tem de racionalizar, tem de fazer o estado brasileiro funcionar e, sobretudo, para aqueles que necessitam do serviço público, a população de baixa renda.
ResponderExcluirMas quando qualquer governo resolver mexer na máquina pública para fazer mudanças ou reformas -- a gritaria daqueles que querem manter o status quo é grande. Veja o caso do CPERS no RS que se agarra com unhas e dentes em um plano de cargo e salários da época do governo Amaral de Souza, na década de 80, como se a educação pública no RS estivesse a mil maravilhas.
A carga tributária é menos pesada que injusta. Ela pode atingir até 45% do PIB, desde que convirja com políticas públicas de universalização de serviços tais como saúde e educação de inquestionável qualidade. Em países dominados pela iniciativa privada, esses serviços custam caríssimo, e o resultado é que, se somarmos as despesas de educação e saúde com a carga tributária, ela atingirá bem mais do que a atual, de cerca de 35%. É burrice vociferar contra impostos e entregar percentuais muito maiores para os administradores privados, que cobram caro por serviços de qualidade ruim, duvidosa, razoável e só muito raramente boa. Para ter saúde e educação pública de qualidade, necessita-se engajamento do cidadão na fiscalização desses serviços e aplicação de recursos. E aumento adequado da carga tributária, baixíssima no Brasil para os que são mais ricos.
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