sexta-feira, 8 de junho de 2012

Meritocracia - a prova dos 9

A direita vive dizendo que o capitalismo é um sistema meritocrático, e que a riqueza de cada um é fruto de seu "merecimento" ou de sua produção. Assim, se 10% de uma população concentra 90% da riqueza, é por que esses 10% produziu esses 90%.

Muito bem, então vamos supor que isso seja verdade, e fazer alguns cálculos pra ver o quanto cada um desses 10% da população teria que produzir a mais do que cada um dos 90% restantes?

O apressado concluiria que bastaria produzir 9 vezes mais. E ele estaria redondamente enganado, pois os 90% mais pobres são 9 vezes mais pessoas do que os 10% mais ricos.

Pra simplificar, vamos considerar que a população é composta de 10 pessoas, e a produção total seja de 100 moedas. Assim, 9 pessoas produzem 10 moedas, ou seja, cada uma produz 1,1 moeda, ou  1,1% do que todos produzem no total.

Os 10% mais ricos equivalem a 1 pessoa, e ela produz 90 moedas sozinha. Assim, ela produz 88,9 moedas a mais do que cada um dos demais, ou 80,81 vezes moedas a mais do que cada um deles. Uma produção "apenas" 8081% maior.

Ora, é evidente que uma pessoa não pode trabalhar sozinha 80 vezes mais do que outra. Mesmo que ela tivesse criado uma forma de aumentar sua produção em 10 vezes, ainda assim ele só seria capaz de produzir 11,1 moedas, e ficaria com apenas 52% da produção total, que seria muito menor (cerca de 21% apenas - ou seja, em termos comparativos, ele receberia apenas 12% das 90).

Assim, a única forma de conseguir produzir 80 vezes mais é contratar pessoas pra trabalhar pra ela. Mesmo que ela contratasse as outras 9 pessoas, elas precisam produzir, cada uma, 11,1 moedas - ou seja, 10 vezes mais do que produziam normalmente -, pra obter as mesmas 100 moedas. Mas elas ficam com apenas 1,1 moeda no final do dia. Ou seja, produzem 10 vezes mais pra ficarem com exatamente a mesma quantia. Em outras palavras, o valor de seu trabalho relativo à própria produção é 10 vezes menor do que se trabalhassem sozinhas.

Eis, aí, a mais-valia. Ou, na língua dos capitalistas, o "mérito" que justifica sua apropriação de 90% de tudo que é produzido.

Ora, mas o que é "mérito", então?

Se considerarmos "mérito" a produção individual, a conclusão é muito simples: considerando que o capitalista, sozinho, nada produz, ele nada deveria receber por "mérito" próprio.

Se considerarmos "mérito" como a contribuição para a produção, aí poderemos enxergar algum no capitalista, pois sem seus meios, a produção seria menor (na nossa hipótese, 10 vezes menor). Por outro lado, o meio sozinho nada produz e os empregados são tão responsáveis pela produção quanto o meio que utilizam. Ou seja, há "mérito" dos dois lados.

Neste caso, porém, considerando que a produção existiria sem o meio, mas não sem o trabalhador, o "mérito" maior está do lado desses últimos.

Se abstrairmos completamente a produção, e considerarmos "mérito" apenas a ingenuidade e a criatividade envolvidas na criação do meio, ou no esforço para a sua obtenção, não há como relacionar a acumulação de riqueza com esse conceito, ou seja, a ideia de "meritocracia" sequer existe nesse sentido.

Das três opções, apenas a segunda poderia justificar a acumulação de riqueza por parte do capitalista. Mas como chamar de "meritocracia" um sistema que premia o proprietário do meio de produção com 90% de tudo o que é produzido, e ignora completamente o "mérito" de quem efetivamente produziu alguma coisa utilizando aquele meio?

Pra ser realmente uma "meritocracia", cada um deveria ser beneficiado proporcionalmente à sua contribuição. Ou seja, metade para cada lado. Nessa situação, se cada trabalhador produz 11,1 moedas, ele ficaria com 5,55 e seu empregador com a mesma quantia e, no final das contas, o capitalista teria 50 moedas, de uma produção de 100. Dez vezes mais do que cada um de seus empregados, e metade da produção total me parece um excelente negócio pra quem apenas forneceu o meio de produção e não produz absolutamente nada diretamente.

Afinal, como já demonstrado, se o próprio capitalista trabalhasse e utilizasse seu método, ele receberia apenas 11,1 moedas, ou seja, apenas 22% do que receberia se dividisse os proventos com seus empregados. Porém, no que a direita chama de "meritocracia", ele recebe 180% mais!

Por outro lado, e se abstrairmos tudo e considerarmos como "mérito" apenas o resultado efetivo, concreto, da competição? Ou seja, se considerarmos que aquelas 10 indivíduos estão em uma competição, e a acumulação de riqueza de cada um é apenas a medida de suas conquistas e a medida de seu mérito?

Ou seja, quem conquista mais, acumula mais riqueza e, portanto, tem mais "mérito".

Ora, nesse caso a conquista justifica tanto a acumulação de riqueza quanto o "mérito", o que faz deste mera retórica inútil para embelezar o fato de que alguém tomou de outrem alguma coisa. Ou seja, a acumulação não é justificada por "mérito", posto que esse é mero sinônimo de conquista, mas pela própria conquista da riqueza em si. E dizer que alguém merece sua riqueza por tê-la conquistado - ou seja a acumulação de riqueza justifica a si mesma - é mera tautologia.

Voltando à questão inicial, é possível chamar o sistema no qual vivemos, onde a maior parte da riqueza está concentrada nas mãos de poucos, de "meritocracia"? A resposta é um sonoro não. Não há conceito de "mérito" que justifique ou que dê alguma aparência de justiça ao fato de que a acumulação excede em muito a contribuição de uns para a sociedade, enquanto ignora completamente a contribuição de outros.

Da mesma forma, não há conceito de "mérito" que consiga justificar o fato da produção efetiva de cada um ser completamente dissociada da sua remuneração.

No final das contas, o "mérito" é apenas uma fantasia criada por aqueles que querem a todo custo negar a mais-valia, tentando justificar o fato de que o capitalista se apropria da diferença entre o valor da produção do trabalhador e o seu salário, ambos definidos pela "lei de mercado". Querem passar a ideia de que essa apropriação é mera remuneração do "mérito" do capitalista, por este viabilizar a produção, mas omitem dois fatos que acabam com essa ilusão: a) existiria produção sem o capitalista e seus meios de produção e b) não existiria produção alguma sem os trabalhadores. em outras palavras, o capitalista não viabiliza nada, ele apenas contribui para aumentar a produção, e essa contribuição é muito menor do que a mais-valia da qual ele se apropria.

Não há "meritocracia" alguma, e o capitalismo jamais pode ser chamado assim, já que se fundamenta apenas na lei do mercado, mera oferta e demanda, e não há espaço para "mérito" nisso. Aliás, é hilário que os teóricos do capitalismo afirmem que o valor do salário do trabalhador deve ser estabelecido por oferta e demanda, mas tentem justificar o lucro do patrão com um hipotético "mérito".

Tem que ser muito trouxa pra acreditar no que os capitalistas dizem pra justificar sua exploração.
 

2 comentários:

  1. Meritocracia é fundamental no serviço público, sobretudo para realizar a necessária inclusão social. Essa idéia de atacar a meritocracia é típica do pensamento politicamente correto. Para entender o que é isso, recomendo a leitura da crônica do David Coimbra na Zero Hora de hoje, onde ele diz o seguinte:

    "O prefeito muquirana diz assim: Eu não posso transformar essa orla em um local aprazível para as pessoas se divertirem, enquanto outras pessoas passam fome na vila.

    Aí ele não transforma a orla em um local aprazível para as pessoas se divertirem, e as outras pessoas continuam passando fome na vila."

    Meritocracia é a mesma coisa, se o gestor do serviço público não cobrar, não introduzir metas, a educação, a saúde no Brasil vai continuar essa porcaria.

    Quem é contra a meritocracia defende o status quo, são os conservadores, os que pensam de forma muquirana.

    Sorry!

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  2. David Coimbra é aquele que publica textos pornográficos, sofre de megalomania e acredita fielmente que será o novo Nelson Rodrigues.
    Ah bom!!!

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