De tempos em tempos, sai alguma nova pesquisa apontando que
negros ganham menos que brancos no Brasil. Quando toco nesse assunto no
blog, sempre aparece um gênio que diz algo como “Meu Deus, você não
entende nada de política corporativa! Ou acha que seria permitido em uma
grande empresa uma pessoa branca ganhar mais que uma negra pela mesma
função?”.
O comentário demonstra uma certa incapacidade do leitor de extrapolar
o pensamento para além do visível (como uma pessoa que cita o
sobrenatural não consegue trabalhar com abstrações? Curioso…) e imaginar
que estamos falando de uma média da sociedade.
Somos bombardeados com o mito da democracia racial brasileira,
construído para servir a propósitos. Mito que se prova verdadeiro em
novelas, minisséries ou alguns programas de TV, normalmente concebidos
por brancos, mas que na vida real são tão concretos quanto a curupira, o
boto e a mulher de branco.
“Ah, mas o preconceito no Brasil é contra pobre, não contra negro!” A
despeito do fato de haver, proporcionalmente, mais negros entre os
pobres do que brancos, por conta de uma herança maldita deixada por uma
abolição que nunca ocorreu totalmente, a discriminação pelos
não-brancos vive saudável por aqui.
Nesta sexta (29), o IBGE divulgou dados demográficos do Censo 2010,
mostrando que brancos recebem salários mais altos e têm mais acesso ao
estudo do que negros, divididos pelo estudo em pretos e pardos, conforme matéria trazida pelo UOL Notícias.
Na região Sudeste, os rendimentos dos brancos é o dobro do que é pago
aos pretos. Há mais empregadores entre os brancos (3%) do que entre
pretos (0,6%) e pardos (0,9%). Por fim, do total da população, 9,6% são
analfabetos. Já, entre os brancos, 5,9%. E entre pardos e pretos, 13% e
14,4% respectivamente. Vale ressaltar que, de acordo com o Censo 2010,
os brancos totalizam 47,7% da população, enquanto pretos e pardos
correspondem a 50,7%.
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que
os homens brancos apresentaram as menores taxas de desemprego em 2005
(6,3%) – número que subia para 8,1% entre os homens negros e para 14,1%
entre as mulheres negras. A diferença entre o rendimento médio dos
homens brancos e negros havia caído 32,6% entre 1995 e 2005. A causa não
foi tanto a melhoria do salário dos negros, que existiu, mas uma piora
nos ganhos dos brancos – proporcionalmente, mais acentuada.
Não há uma pesquisa honesta que comprove relação entre capacidade
intelectual e cor de pele. Ou alguma razão biológica bisonha que faça
alguns preferirem ganhar mais do que outros. A resposta para esse quadro
está nas oportunidades a que cada um teve acesso e as barreiras
impostas a elas pela cor de pele.
Pretos, pardos e brancos deveriam ser tratados como iguais uma vez
que são iguais. Mas, historicamente, a eles não foi dado o mesmo
tratamento. Encarar, portanto, pessoas com níveis de direitos diferentes
como iguais é manter o nosso bizarro status quo. Não basta cotas em
universidades. Temos que avançar para reservas de vagas em cargos da
administração pública, no sistema judiciário e em outras instâncias. Não
eternamente, mas até conseguirmos corrigir o imenso fosso que separa
brancos e negros.
Como gosto sempre de lembrar, o quase ex-senador Demóstenes Torres
praticamente afirmou que escravas negras não foram violentadas pelos
patrões brancos. Afinal de contas, segundo ele ao criticar as cotas para
negros em universidades públicas federais em 2010, “isso se deu de
forma muito mais consensual” e “levou o Brasil a ter hoje essa magnífica
configuração social”. E que, no dia seguinte à sua libertação, os
escravos “eram cidadãos como outro qualquer, com todos os direitos
políticos e o mesmo grau de elegibilidade”. Pô, em que mundo ele vive?
O Brasil ainda não foi capaz de garantir que os filhos dos libertos
fossem tratados com o respeito que seres humanos e cidadãos mereciam.
Herança maldita presente na sociedade que quase equivale, na prática, a
um sistema de castas. Alguns até conseguem escapar, mas a maioria das
famílias permanece girando em círculos ao longo de gerações. O pior é
que a discriminação é sempre do outro, nunca de nós mesmos.
No avião, dia desses: “Não sou preconceituosa, longe disso. Mas não
gostaria que minha filha casasse com aquele ‘moreninho’, namorado dela.
Não é por mim, sabe, mas os filhos vão sofrer um preconceito muito
grande, a família do meu marido não vai entender direito. É complicado…”
Ô se é.
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