Emir Sader*
Mais
além dos fatos concretos, a operação de marketing do “mensalão” merece
fazer parte dos manuais de marketing politico. Nunca na história
brasileira uma criação dessa ordem foi capaz de projetar e consolidar
imagens na cabeça das pessoas, que as impedem de entender o fenômeno e
avaliá-lo na sua realidade concreta, porque sua imaginação, seus
instintos, já estão vacinados e conquistados pelas imagens projetadas
pela campanha.
Uma jornalista da empresa da
“ditabranda” entrevistou um dia a um parlamentar, presidente de um dos
partidos da base aliada do governo, que teve uma das pessoas indicadas
pelo partido para um cargo governamental, pego em flagrante , filmado,
com som, em operação de suborno. O partido que o indicou – PTB –
considerou que nao recebeu o apoio devido por parte do governo e seu
presidente resolveu ligar o ventilador.
Disse
que o governo pagava um “mensalão” a uma porção de gente. O jornal
imediatamente cunhou a expressão e deu inicio àquele tipo de campanha
cuja reiteração, por todos os órgãos da mídia privada, transformou a
insinuação numa verdade supostamente incontestável.
O
que ficou na imaginação das pessoas era literalmente que indivíduos
chegavam no Palácio do Planalto com malas vazias, entravam numa sala
contigua à do Lula, enchiam de dólares e saiam, mensalmente. A operação
de marketing tornou-se um caso de manual de marketing, pelo seu sucesso.
A partir a insinuação de um politico sem nenhuma respeitabilidade, se
dava inicio à campanha, em que a oposição – liderada pela mídia privada –
considerava que terminaria com o governo Lula.
Tudo
foi se dando como bola de neve. O próprio jornal da família que
emprestou carros para órgãos repressivos da ditadura cunhou o selo
“mensalão”, com o qual cobria todas as atividades políticas nacionais.
Até a eleição interna do PT foi incluída nessa rubrica.
Condenou-se
moral e politicamente a dirigentes e políticos ligados ao governo, com o
objetivo de ferir de morte o governo Lula, como repetição muito similar
à crise de 1954, que terminou com o suicídio de Getúlio. Dois então
membros da equipe do Lula chegaram – conforme entrevista posterior de
Gilberto Carvalho – a ir ao Lula, levando a proposta opositora: todas as
acusações seriam retiradas, inclusive o suposto impeachment, contanto
que Lula renunciasse a se candidatar à reeleição.
Tinham
receio de propor impeachment, pelas repercussões populares que poderia
ter, então preferiam usá-lo como ameaça. O tiro saiu pela culatra. Lula
reagiu dizendo que sairia às ruas para defender seu mandato, convocava
os movimentos populares a reagir à tentativa de golpe branco.
A
oposição, depois da cassação do Zé Dirceu, jogava, partindo do que
considerava evidências contra o governo, com a vulnerabilidade do
governo, alegando que Lula sabia dos fatos. Não foi o que aconteceu.
Conseguiram várias cassações, conseguiram diminuir o apoio do Lula mas,
principalmente, deram a pauta política do país.
O
caso permitia desqualificar o Estado, o governo Lula, o PT. O Estado,
por definição, para a direita, é corrupto ou corruptível. O governo
Lula, o PT e os sindicatos teriam “tomado de assalto ao Estado” e
imposto seus interesses particulares. O diagnóstico foi retirado
diretamente do arsenal neoliberal.
Os governos
de esquerda no Brasil – Getúlio, Jango, Lula – não terminariam seus
mandatos. Fracassado o governo Lula, se cumpriria o prognóstico de um
ministro da ditadura: “Um dia o PT vai ter que ganhar, vai fracassar, aí
vamos poder dirigir o país com tranquilidade”.
Sob
a forma do impeachment ou da renúncia de Lula a disputar um segundo
mandato ou, ainda, com sua eventual derrota, asfixiado pela oposição –
que já havia dito que sangraria o governo, até derrotá-lo nas eleições
de 2006 -, se daria um golpe branco e a esquerda estaria desmoralizada e
derrotada por um longo período.
Mas não
contavam com a capacidade de reação de Lula e com os efeitos das
políticas sociais, já em marcha. O povo, com a consciência de que era o
seu governo e que sua eventual derrubada faria com que ele, povo,
pagasse o preço mais alto da operação da direita, reagiu. A oposição foi
pega de supresa pelas reações, que levaram à derrota da tentativa de
derrubar o governo. Mais do que isso, levaram à derrota do candidato da
oposição – o duro e puro neoliberal Alckmin –, porque a oposição também
foi vitima da sua própria campanha.
Como esbravejava o Otavinho, na primeira reunião do comitê de direção da sua empresa: - Onde é que nós erramos?
Erraram
porque acreditaram que eram onipotentes. Afinal foi a mídia golpista
que levou o Getúlio ao suicídio, que promoveu o golpe militar que
derrubou o Jango e que, acreditavam, levaria o governo Lula à derrota e a
esquerda à desmoralização.
Foram derrotados
em 2006, em 2010 e tem todas as possibilidades de serem derrotados de
novo em 2014. Mais do que isso, tiveram que reconhecer que o prestígio
do governo vem de suas politicas sociais, que transformaram
democraticamente o Brasil. Que seu poder de fogo como cabeça da oposição
é decrescente, que entraram em decadência irreversível.
Agora,
sete anos depois, tentam ainda explorar o sucesso de marketing,
espremendo tudo o que podem, raspando o tacho da panela, buscando voltar
a pautar o país em torno do seu sucesso de marketing. Não se dão conta
que o país mudou, que desde então perderam duas eleições presidenciais,
que o Estado brasileiro reconquistou legitimidade por suas políticas
sociais e pela sua ação de resistência à crise internacional? Que as
mídias alternativas ganharam um poder de esclarecimento da opinião
publica, que não tinham naquele momento?
Mas
não lhes restam outras armas, senão a de explorar o embolorado tema do
“mensalão”, para recordar como já foram bem mais poderosos no passado.
Seus outros argumento naufragaram: o Estado mostra eficiência na
condução do país, o livre mercado levou o capitalismo internacional à
sua pior crise em 80 anos, o povo reconhece que melhorou suas condições
de vida, apoia e vota no governo, as alianças internacional da política
soberana do Brasil projetam o país no plano internacional como nunca
antes, ao mesmo tempo que se mostram muito mais eficazes do que o
Tratado de Livre Comércio e a Alca que a direita pregava.
Em
suma, a história avançou desde 2005 e na direção da derrota da
oposição, da criação de uma nova maioria politica no pais. A permanência
do monopólio antidemocrático dos meios de comunicação é a arma
principal de que a direita dispõe e está disposta a usá-la até o fim, na
sua derradeira encenação: o julgamento do “mensalão”.
Mas
a história e a vida não se fazem com marketing. Nem mesmo mais vender
os produtos da sua mídia mercantil eles conseguem. Lula os derrotou,
demonstrando que se pode – e se deve – governar o país sem almoçar e
jantar com os donos da mídia. Porque Lula não teve medo da mídia,
condição –nas suas palavras – para que haja democracia no Brasil.
A primeira vez a encenação teve ares de tragédia – não consumada pela oposição. Esta segunda tem ares de farsa.
Eles passarão, nós passarinhos.
Emir Sader é sociólogo. Texto publicado originalmente na Agência Carta Maior
Via blog do Raul Pont
Como a letra diz, "Falam demais por não ter nada a dizer"...
ResponderExcluirGostando ou não, “Um dia o PT vai ter que ganhar, vai fracassar, aí vamos poder dirigir o país com tranquilidade"