sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Estamos criando analfabetos motores



Crianças brasileiras das classes média e alta estão mal preparadas para o esporte e sem vontade de se exercitar. E pais e escolas não ajudam, segundo Luiz Roberto Rigolin, autor de "Desempenho Esportivo: Treinamento com Crianças e Adolescentes" (Phorte, 631 págs., R$ 89).
Doutor em educação física com pós-doutorado em filosofia pela USP, Rigolin, 43, se dedica à formação de atletas e se preocupa com o desenvolvimento das habilidades físicas na infância. Aqui, ele fala das dificuldades atuais da educação motora.
Nunca se falou tanto de atividade física, mas as crianças estão cada vez mais sedentárias. O que acontece?
A prática de exercícios resulta do desenvolvimento motor, processo que começa desde que a criança nasce. Ela precisa experimentar todas as possibilidades de movimento para desenvolver habilidades físicas. Hoje tem menos oportunidade de fazer isso. Estamos criando uma geração de analfabetos motores.
Como chegamos a isso?
Começa pela reclusão urbana. A grande preocupação dos pais é com a segurança. Têm medo de soltar o bebê, ele pode se machucar. Quando o filho começa a crescer, não pode brincar na rua, por causa do risco de assalto... O outro elemento é a tecnologia. Com os brinquedos tecnológicos a criança desenvolve várias habilidades cognitivas, sem dúvida, mas muito pouco da parte motora.
E as escolas também não querem ter problemas com pais preocupados em proteger os filhos, então dão poucas opções para a criança experimentar seu corpo de forma mais solta, quando o risco de se machucar é maior.
Nesse caso, não adianta pagar uma escola cara, com a ideia de dar mais oportunidades para o filho se desenvolver?
Pode ser até pior. A inteligência motora está na periferia, onde as crianças não são superprotegidas como as de classes média e alta e por isso têm chance de experimentar os movimentos de forma mais livre. Também têm menos acesso a brinquedos tecnológicos, então têm que encontrar outras formas de brincar: soltar pipa, jogar taco. Por isso a maioria dos atletas de esportes complexos não vem das classes A e B.
A educação motora inclui esfolar o joelho às vezes?
Sim, isso é fundamental, mas também é natural o adulto querer ajudar a criança para que ela não se machuque.
Como os pais podem ajudar?
Com bebês, eles precisam estruturar a casa para deixar a criança subir no sofá, empurrar e puxar objetos etc. E precisa ter alguém acompanhando. Se é o pai, a mãe ou a babá que vai fazer isso, não importa, o que interessa é que a criança tenha oportunidade de experimentar. Depois, dos três aos sete anos, os pais podem fazer com que a criança adquira o gosto pela atividade física. Isso não é feito só em casa, inclui a escola, o parque, a rua.
E as atividades dirigidas, como as escolas de esportes?
Muitos pais e mães acham que vão incentivar a atividade física colocando o filho na natação, na escolinha de futebol. Mas às vezes o que a criança quer é andar de bicicleta ou de skate. A grande colaboração que os pais podem dar é mostrar as alternativas de atividades para o filho descobrir o seu caminho.
Se a criança mostra talento em alguma modalidade, como os pais podem estimular?
Isso é um problema porque, a partir do momento em que o filho passa a praticar um esporte, os pais já querem que ganhe medalhas. Começa a pressão por desempenho, que vem também do técnico, do diretor do clube. Imagine como a criança fica nessa história de precisar atender as expectativas de todas essas pessoas.
É possível recuperar habilidades motoras que não foram desenvolvidas na infância?
Dá para melhorar, mas nunca vai ser a mesma coisa. E os pais e os professores têm que estar preparados para ensinar essa criança mais lentamente e sem forçá-la a fazer atividades que estão fora de suas possibilidades.
Entrevista realizada e editada por Iara Biderman, publicada na Folha de São Paulo em 11/09/2012
 

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