Texto do jornalista Luiz Carlos Azenha, um
experiente repórter internacional, sobre o atentado desta semana à
embaixada norte-americana, para se pensar em alguns absurdos do mundo
atual:
“A acreditar na cobertura internacional dos jornalões brasileiros
e na opinião de “especialistas” em relações internacionais por eles
citados, a Líbia sem Khadafi estava se transformando em uma plácida
democracia.
Um argumento necessário quando o objetivo é falar mal da
diplomacia brasileira: como o Brasil não aprovou a intervenção militar
na Líbia, teria perdido uma grande oportunidade. Teria se distanciado da
vontade da rua árabe e pagará caro por isso. Não só na Líbia, mas
também na Síria.
É, como sabemos, a turma do alinhamento automático aos Estados
Unidos, para a qual alguns árabes devem ser bombardeados à democracia.
Digo alguns, já que os que clamam por democracia na Líbia e na Síria, se
preciso à força, não defendem o bombardeio da Arábia Saudita, nem do
Bahrain.
Os sauditas são os maiores fornecedores de petróleo do mundo; o Bahrain, sede da Quinta Frota Naval dos Estados Unidos.
É óbvio que nossa mídia nunca fala sobre a lei das consequências indesejadas.
Não costuma lembrar que os hoje considerados terroristas do
talibã e da al Qaeda surgiram quando os Estados Unidos financiaram a
luta contra a invasão soviética do Afeganistão, nos anos 90; ou que o
carniceiro Saddam Hussein, do Iraque, recebeu apoio militar —
especialmente informações sobre o movimento de tropas — em sua longa
guerra contra os aiatolás do Irã. Fui pessoalmente ver os abrigos
subterrâneos construídos sob Bagdá: todo o equipamento tinha sido
importado da Alemanha. Ou seja, o Ocidente armou e preparou Saddam para a
guerra, até que ele se converteu na ameaça regional que era preciso
eliminar.
Escrevo isso por causa da trágica morte do embaixador dos Estados
Unidos na Líbia, perseguido por um grupo ainda não identificado, numa
cena dramaticamente parecida com a caçada final a Muamar Khadafi — e num
11 de setembro. Foi a demonstração mais óbvia de que a Líbia se
converteu em terra de milícias, a exigir um desembarque de fuzileiros
navais dos Estados Unidos para dar segurança a seus diplomatas.
Um lembrete aos que pretendem embarcar o Brasil na “modelagem” do
novo Oriente Médio, patrocinada por Washington com ou sem as bombas da
OTAN.
Pepe Escobar, no Asia Times Online, já escreveu
vários artigos advertindo sobre a transformação de justas reivindicações
locais por democracia e participação em banhos de sangue patrocinados
pelo Ocidente em nome da mudança de regime a qualquer custo, mas só onde
interessa”.
Pepe Escobar, citado por Azenha, é escritor, autor de vários livros
sobre os conflitos da região, jornalista. Em um dos textos, publicado
antes mesmo da mudança na Líbia, ele registra:
(…) No ano passado o Asia Times Online descreveu
extensivamente como a Líbia “liberada” — “liberada” pelos assim chamados
rebeldes da OTAN — mergulharia num inferno das milícias. É exatamente o
que está acontecendo; pelos menos 250 milícias diferentes operam apenas
em Misurata, de acordo com a Human Rights Watch, agindo os milicianos
como policiais, juízes e exterminadores, tudo num só pacote. Não existe o
assim chamado Ministério da Justiça na Líbia “liberada”. Se você vai
para a prisão, acaba morto; se for um africano sub-sahariano [negro],
ganha o bônus de extensiva tortura antes de ter o mesmo destino.
Como na Líbia, por uma questão de estratégia, o eixo Casa de
Saud/sunitas do Qatar eliminou na Síria qualquer possibilidade de
diálogo real entre a insurreição (armada) e o regime de Assad (…)
Um dia as grandes nações vão aprender que é sempre um erro interferir
(militarmente ou com fornecimento de armas a opositores) em outros
países.
Os rebeldes aliados de hoje, que parecem tão confiáveis, viram
inimigos superarmados amanhã – e o ambiente nunca mais se normaliza,
como está claro no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria e em
tantas outras regiões.
Do blog do Mário Marques
Nenhum comentário:
Postar um comentário