sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Do blog Viomundo: ‘A morte do embaixador dos EUA”

Texto do jornalista Luiz Carlos Azenha, um experiente repórter internacional, sobre o atentado desta semana à embaixada norte-americana, para se pensar em alguns absurdos do mundo atual:
“A acreditar na cobertura internacional dos jornalões brasileiros e na opinião de “especialistas” em relações internacionais por eles citados, a Líbia sem Khadafi estava se transformando em uma plácida democracia.
Um argumento necessário quando o objetivo é falar mal da diplomacia brasileira: como o Brasil não aprovou a intervenção militar na Líbia, teria perdido uma grande oportunidade. Teria se distanciado da vontade da rua árabe e pagará caro por isso. Não só na Líbia, mas também na Síria.
É, como sabemos, a turma do alinhamento automático aos Estados Unidos, para a qual alguns árabes devem ser bombardeados à democracia. Digo alguns, já que os que clamam por democracia na Líbia e na Síria, se preciso à força, não defendem o bombardeio da Arábia Saudita, nem do Bahrain.
Os sauditas são os maiores fornecedores de petróleo do mundo; o Bahrain, sede da Quinta Frota Naval dos Estados Unidos.
É óbvio que nossa mídia nunca fala sobre a lei das consequências indesejadas.
Não costuma lembrar que os hoje considerados terroristas do talibã e da al Qaeda surgiram quando os Estados Unidos financiaram a luta contra a invasão soviética do Afeganistão, nos anos 90; ou que o carniceiro Saddam Hussein, do Iraque, recebeu apoio militar — especialmente informações sobre o movimento de tropas — em sua longa guerra contra os aiatolás do Irã. Fui pessoalmente ver os abrigos subterrâneos construídos sob Bagdá: todo o equipamento tinha sido importado da Alemanha. Ou seja, o Ocidente armou e preparou Saddam para a guerra, até que ele se converteu na ameaça regional que era preciso eliminar.
Escrevo isso por causa da trágica morte do embaixador dos Estados Unidos na Líbia, perseguido por um grupo ainda não identificado, numa cena dramaticamente parecida com a caçada final a Muamar Khadafi — e num 11 de setembro. Foi a demonstração mais óbvia de que a Líbia se converteu em terra de milícias, a exigir um desembarque de fuzileiros navais dos Estados Unidos para dar segurança a seus diplomatas.
Um lembrete aos que pretendem embarcar o Brasil na “modelagem” do novo Oriente Médio, patrocinada por Washington com ou sem as bombas da OTAN.
Pepe Escobar, no Asia Times Online, já escreveu vários artigos advertindo sobre a transformação de justas reivindicações locais por democracia e participação em banhos de sangue patrocinados pelo Ocidente em nome da mudança de regime a qualquer custo, mas só onde interessa”.
Pepe Escobar, citado por Azenha, é escritor, autor de vários livros sobre os conflitos da região, jornalista. Em um dos textos, publicado antes mesmo da mudança na Líbia, ele registra:
(…) No ano passado o Asia Times Online descreveu extensivamente como a Líbia “liberada” — “liberada” pelos assim chamados rebeldes da OTAN — mergulharia num inferno das milícias. É exatamente o que está acontecendo; pelos menos 250 milícias diferentes operam apenas em Misurata, de acordo com a Human Rights Watch, agindo os milicianos como policiais, juízes e exterminadores, tudo num só pacote. Não existe o assim chamado Ministério da Justiça na Líbia “liberada”. Se você vai para a prisão, acaba morto; se for um africano sub-sahariano [negro], ganha o bônus de extensiva tortura antes de ter o mesmo destino.
Como na Líbia, por uma questão de estratégia, o eixo Casa de Saud/sunitas do Qatar eliminou  na Síria qualquer possibilidade de diálogo real entre a insurreição (armada) e o regime de Assad (…)
Um dia as grandes nações vão aprender que é sempre um erro interferir (militarmente ou com fornecimento de armas a opositores) em outros países.
Os rebeldes aliados de hoje, que parecem tão confiáveis, viram inimigos superarmados amanhã – e o ambiente nunca mais se normaliza, como está claro no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria e em tantas outras regiões.

Do blog do Mário Marques

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