Em
agosto deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello
concedeu liminar suspendendo o júri popular que finalmente faria
Justiça ao “caso Nicole”. O empresário Pablo Russel Rocha é acusado de,
em 1998, ter arrastado com sua caminhonete, até a morte, a garota de
programa Selma Artigas da Silva, então com 22 anos, em Ribeirão Preto. A
jovem era conhecida como Nicole.
Grávida, Nicole teve uma discussão com Pablo. A acusação diz que ele a
prendeu ao cinto de segurança e a arrastou pela rua. Pablo, que
responde pelo crime em liberdade, diz “não ter percebido” que a moça
estava presa ao cinto e nem ter ouvido os gritos da moça porque “o som
da Pajero estava muito alto”. O corpo de Nicole foi encontrado,
totalmente desfigurado, do outro lado da cidade. Com a suspensão, a
família de Selma/Nicole vai esperar não se sabe quantos anos mais pelo
julgamento do acusado.
Na segunda-feira 22 de outubro, o mesmo ministro Celso de Mello
condenaria os petistas Delúbio Soares, José Dirceu e José Genoino pelo
crime de formação de quadrilha. Já os havia condenado por corrupção
ativa. “Eu nunca vi algo tão claro”, disse ele, sobre a culpabilidade
dos réus.
Em novembro de 2011, o ministro do STF Marco Aurélio Mello concedeu
habeas corpus ao empresário Alfeu Crozado Mozaquatro, de São José do Rio
Preto (SP), acusado de liderar a “máfia do boi”, mega-esquema de
sonegação fiscal no setor de frigoríficos desvendado pela Polícia
Federal. De acordo com a Receita Federal, o esquema foi responsável pela
sonegação de mais de 1 bilhão e meio de reais em impostos. Relator do
processo, Marco Aurélio alegou haver “excesso” de imputações aos réus.
Na segunda-feira 22 de outubro, o mesmo ministro Marco Aurélio Mello
condenaria os petistas Delúbio Soares, José Dirceu e José Genoino pelo
crime de “formação de quadrilha”. Já os havia condenado por “corrupção
ativa”. O esquema do chamado “mensalão” envolveria a quantia de 150
milhões de reais. “Houve a formação de uma quadrilha das mais complexas.
Os integrantes estariam a lembrar a máfia italiana”, disse Marco
Aurélio.
Em julho de 2008, o ministro do STF Gilmar Mendes concedeu dois
habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas, sua irmã Verônica e mais nove
pessoas presas na operação Satiagraha da PF, entre elas o investidor
Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta (que morreu em
2009). A Satiagraha investigava justamente desdobramentos do chamado
mensalão, mas, para Mendes, a prisão era “desnecessária”.
Segundo o MPF (Ministério Público Federal), o grupo de Dantas teria
cometido o crime de evasão de divisas, por meio do Opportunity Fund, uma
offshore nas ilhas Cayman que movimentou entre 1992 e 2004 quase 2
bilhões de reais. O grupo também era acusado de formação de quadrilha e
gestão fraudulenta.
Na segunda-feira 22 de outubro o mesmo ministro Gilmar Mendes que
livrou o banqueiro Daniel Dantas da cadeia enviou para a prisão a
banqueira Kátia Rabello, presidente do banco Rural, por formação de
quadrilha. Já a havia condenado por gestão fraudulenta, evasão e lavagem
de dinheiro. “Sem dúvida, entrelaçaram-se interesses. Houve a formação
de uma engrenagem ilícita que atendeu a todos”, disse Gilmar.
O final do julgamento do mensalão multiplica por 25 – o número de
condenados – a responsabilidade futura do STF. É inegavelmente salutar
que, pela primeira vez na história do País, um grupo de políticos e
banqueiros tenha sido condenado por corrupção. Mas, a partir de agora,
os olhos da Nação estarão voltados para cada um dos ministros do Supremo
para exigir idêntico rigor, para que a Justiça se multiplique e de fato
valha para todos.
Estamos fartos da impunidade, sim. E também estamos fartos dos habeas
corpus e liminares concedidos por alguns ministros em decisão
monocrática, em geral nos finais de semana ou em férias, quando o
plenário não pode ser reunido. Não se pode esquecer que o Supremo que
agora condena os petistas pelo “mensalão” é o mesmo Supremo que tomou
decisões progressistas importantes, como a liberação do aborto de
anencéfalos e da união civil homossexual e a aprovação das cotas para
afro-descendentes nas universidades. Estas foram, porém, decisões do
colegiado. Separadamente, saltam aos olhos decisões injustas como as que
expus acima.
Se há, como defendem alguns ministros, uma evolução no pensamento do
STF como um todo, que isto também se reflita nas posições tomadas
individualmente por seus membros. Não se pode, diante das câmeras de
tevê, anunciar com toda a pompa a condenação e a prisão de poderosos e, à
sorrelfa, na calada da noite, soltar outros. Cada vez que um poderoso
for libertado por um habeas corpus inexplicável, ou que uma liminar sem
pé nem cabeça for concedida por um ministro do Supremo para adiar o
julgamento de gente rica, estará demonstrado que o mensalão não foi um
divisor de águas coisa nenhuma.
Daqui para a frente, os ministros do Supremo Tribunal Federal têm,
mais do que nunca, a obrigação de serem fiéis a si próprios e ao que
demarcaram neste julgamento. Nós, cidadãos, estaremos atentos às
contradições. Elas serão denunciadas, ainda que ignoradas pela grande
mídia.
A Justiça pode ser cega. Mas nós, brasileiros, temos milhões de olhos. E estaremos vigiando.
Por Cynara Meneses na Carta Capital
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