por Luis Henrique Mello
Em uma análise sobre simbolismos e iconoclastias, Luis Henrique Mello analisa a questão dos ataques aos tatus da coca-cola espalhados pelo país como mascotes da Copa.
Uma simples imagem de um homem gravemente ferido na cabeça, compartilhada no facebook por minha irmã, sintetiza toda a loucura ocorrida na última manifestação popular em frente à prefeitura de Porto Alegre: "Para proteger o tatu inflável da Coca-Cola, a polícia moeu de pau uma galera em Porto Alegre", com o subtexto "Um boneco inflável da Coca-Cola vale mais que a integridade física das pessoas (...)".
Li a reportagem e, naturalmente, compartilhei, sem me importar com meandros. Eis que inesperadamente um ex-colega de faculdade, que hoje trabalha na marinha, contesta-me, apontando o vandalismo do boneco inflável como o verdadeiro responsável da batalha campal em frente à prefeitura de Porto Alegre, fazendo uma analogia que à primeira vista pode parecer absurda mas que, à luz da lógica do controle social capitalista, faz todo o sentido: "Se você estivesse sozinho em sua casa, tivesse uma arma, e 10 pessoas desarmadas invadissem sua casa, e dessas, 3 começassem a quebrar suas coisas. O que você faria?" Certo. O locus social (casa) como propriedade privada do Estado (eu) e este como detentor do monopólio da violência (arma) na defesa do Capital (coisas).
A imediata associação da manifestação com trespassadores é o primeiro ponto. Afinal, o banditismo é a forma mais vulgar e primitiva da rebeldia que, se minimamente organizada, alimenta o medo do caos social. Todos se lembram do pânico generalizado causado pela violência do crime organizado em 2006 - milhares de cidadãos foram tomados pelo desespero interiorizado pela consciência do abismo social existente no Brasil e que, enfim, o dia apocalíptico em que os marginalizados subitamente diriam um 'basta' e fizessem justiça com suas próprias mãos finalmente chegara. É o medo das massas. Enfim, respondi que segundo esta argumentação eu teria o direito e a razão de atirar nessas 10 pessoas se 3 delas jogassem minha escova de dentes no lixo, ateado fogo em uma folha de papel e, no máximo, bebido uma garrafa de cerveja sem minha permissão, dado o valor insignificante de um boneco inflável gigante para uma corporação de bilhões de dólares.
Respondeu-me que o boneco inflável representa para muitos a conquista do Brasil em sediar a copa e, voltando à analogia por ele proposta, disse que "mandaria bala em todos antes mesmo de chegarem na minha cozinha." Gelei. Procurei então ler os comentários da foto no facebook e da matéria no jornal. Para minha desagradável surpresa, a maioria das pessoas dizia coisas no tom de "tem que dar porrada mesmo nesses vagabundos", "a polícia devia ter batido mais, muito mais", ou pior. É uma revolta. Uma revolta contra a revolta. Este é o segundo ponto.
É um fenômeno social interessante pois, dada a atomização da ação política do indivíduo na era das democracias de massas, o sujeito sente-se impotente perante todos os absurdos sócio-políticos que toma conhecimento, seja por experiência cotidiana ou através da mídia, e sublima esta revolta na submissão completa de sua vontade política ao confortável berço da Ordem. Eis a chave do controle social moderno. O cacetete da polícia transforma-se em uma extensão de seu próprio corpo justiceiro, reprimindo os elementos 'anti-sociais' tão logo seja encontrada uma brecha legal que legitime a Exceção. Neste caso, foi a defesa da propriedade privada. Voltando ao reino da representação mencionado pelo meu colega, retruquei: "O boneco inflável representa a rendição do patrimônio público ao privado. Esse foi o motivo da manifestação, a privatização de espaços públicos de Porto Alegre para empreiteiras ligadas à Coca-Cola.
Já não é a 'nossa' copa, é a copa da Coca-Cola. Furar o boneco não é vandalismo. Vandalismo é quebrar a Pietà, pixar a Monalisa. Não danificar algo que com um pedaço de fita isolante e menos de 5 minutos de ar comprimido estará novinho em folha. Furar o boneco é um ato simbólico. É um ato político. Portanto, a repressão da BM foi uma repressão política - estavam apenas esperando um 'motivo' para encher a galera de porrada. Fosse o contrário, a BM teria apenas detido aqueles que invadiram o espaço do boneco, e não generalizado a violência para todo o público presente." Coincidentemente (ou não), vi a notícia de outro tatu inflável da Coca-Cola furado em São Paulo. Neste caso é visível a ação higienizadora das empreiteiras, dado os múltiplos incêndios nas favelas em regiões altamente valorizadas da paulistéia e que, para surpresa de ninguém, os membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) montada na Câmara Municipal de São Paulo para investigar os incêndios em favelas são financiados por empresas ligadas à construção civil e ao setor imobiliário.
Onde houver tatu, haverá uma agulha. Enfim, do medo das massas umbilicalmente ligado à revolta contra a revolta nasce o ovo-da-serpente do protofascismo expressado em gritos raivosos de "vagabundo tem que apanhar mesmo", "bandido bom é bandido morto" ou, pior, "direitos humanos para humanos direitos.
Em uma análise sobre simbolismos e iconoclastias, Luis Henrique Mello analisa a questão dos ataques aos tatus da coca-cola espalhados pelo país como mascotes da Copa.
Uma simples imagem de um homem gravemente ferido na cabeça, compartilhada no facebook por minha irmã, sintetiza toda a loucura ocorrida na última manifestação popular em frente à prefeitura de Porto Alegre: "Para proteger o tatu inflável da Coca-Cola, a polícia moeu de pau uma galera em Porto Alegre", com o subtexto "Um boneco inflável da Coca-Cola vale mais que a integridade física das pessoas (...)".
Li a reportagem e, naturalmente, compartilhei, sem me importar com meandros. Eis que inesperadamente um ex-colega de faculdade, que hoje trabalha na marinha, contesta-me, apontando o vandalismo do boneco inflável como o verdadeiro responsável da batalha campal em frente à prefeitura de Porto Alegre, fazendo uma analogia que à primeira vista pode parecer absurda mas que, à luz da lógica do controle social capitalista, faz todo o sentido: "Se você estivesse sozinho em sua casa, tivesse uma arma, e 10 pessoas desarmadas invadissem sua casa, e dessas, 3 começassem a quebrar suas coisas. O que você faria?" Certo. O locus social (casa) como propriedade privada do Estado (eu) e este como detentor do monopólio da violência (arma) na defesa do Capital (coisas).
A imediata associação da manifestação com trespassadores é o primeiro ponto. Afinal, o banditismo é a forma mais vulgar e primitiva da rebeldia que, se minimamente organizada, alimenta o medo do caos social. Todos se lembram do pânico generalizado causado pela violência do crime organizado em 2006 - milhares de cidadãos foram tomados pelo desespero interiorizado pela consciência do abismo social existente no Brasil e que, enfim, o dia apocalíptico em que os marginalizados subitamente diriam um 'basta' e fizessem justiça com suas próprias mãos finalmente chegara. É o medo das massas. Enfim, respondi que segundo esta argumentação eu teria o direito e a razão de atirar nessas 10 pessoas se 3 delas jogassem minha escova de dentes no lixo, ateado fogo em uma folha de papel e, no máximo, bebido uma garrafa de cerveja sem minha permissão, dado o valor insignificante de um boneco inflável gigante para uma corporação de bilhões de dólares.
Respondeu-me que o boneco inflável representa para muitos a conquista do Brasil em sediar a copa e, voltando à analogia por ele proposta, disse que "mandaria bala em todos antes mesmo de chegarem na minha cozinha." Gelei. Procurei então ler os comentários da foto no facebook e da matéria no jornal. Para minha desagradável surpresa, a maioria das pessoas dizia coisas no tom de "tem que dar porrada mesmo nesses vagabundos", "a polícia devia ter batido mais, muito mais", ou pior. É uma revolta. Uma revolta contra a revolta. Este é o segundo ponto.
É um fenômeno social interessante pois, dada a atomização da ação política do indivíduo na era das democracias de massas, o sujeito sente-se impotente perante todos os absurdos sócio-políticos que toma conhecimento, seja por experiência cotidiana ou através da mídia, e sublima esta revolta na submissão completa de sua vontade política ao confortável berço da Ordem. Eis a chave do controle social moderno. O cacetete da polícia transforma-se em uma extensão de seu próprio corpo justiceiro, reprimindo os elementos 'anti-sociais' tão logo seja encontrada uma brecha legal que legitime a Exceção. Neste caso, foi a defesa da propriedade privada. Voltando ao reino da representação mencionado pelo meu colega, retruquei: "O boneco inflável representa a rendição do patrimônio público ao privado. Esse foi o motivo da manifestação, a privatização de espaços públicos de Porto Alegre para empreiteiras ligadas à Coca-Cola.
Já não é a 'nossa' copa, é a copa da Coca-Cola. Furar o boneco não é vandalismo. Vandalismo é quebrar a Pietà, pixar a Monalisa. Não danificar algo que com um pedaço de fita isolante e menos de 5 minutos de ar comprimido estará novinho em folha. Furar o boneco é um ato simbólico. É um ato político. Portanto, a repressão da BM foi uma repressão política - estavam apenas esperando um 'motivo' para encher a galera de porrada. Fosse o contrário, a BM teria apenas detido aqueles que invadiram o espaço do boneco, e não generalizado a violência para todo o público presente." Coincidentemente (ou não), vi a notícia de outro tatu inflável da Coca-Cola furado em São Paulo. Neste caso é visível a ação higienizadora das empreiteiras, dado os múltiplos incêndios nas favelas em regiões altamente valorizadas da paulistéia e que, para surpresa de ninguém, os membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) montada na Câmara Municipal de São Paulo para investigar os incêndios em favelas são financiados por empresas ligadas à construção civil e ao setor imobiliário.
Onde houver tatu, haverá uma agulha. Enfim, do medo das massas umbilicalmente ligado à revolta contra a revolta nasce o ovo-da-serpente do protofascismo expressado em gritos raivosos de "vagabundo tem que apanhar mesmo", "bandido bom é bandido morto" ou, pior, "direitos humanos para humanos direitos.
Copiado de O Descurvo
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