terça-feira, 27 de novembro de 2012

Filhotes da Ditadura: A Seleção, Marin e a morte de Herzog

Vladmir Herzog
Muito se fala e muito se diz sobre a queda do treinador da Seleção, sobre quem o sucederá e sobre a crise no nosso futebol às vésperas da Copa que sediaremos. Pouco se escuta, mesmo que seja de ouvir dizer, qualquer coisa sobre causas de tanta degradação que, certamente, superam o óbvio da mercantilização do futebol e, sobretudo, da Seleção Brasileira, rifada entre interesses comerciais e políticos da própria CBF, da TV Globo e dos empresários dos jogadores e do próprio treinador da Seleção: existe algo de político, um fator importantíssimo que remete ao fato de como a política nacional penetra o futebol e vice-versa.
Vamos lá. Hoje, diante da prisão do vice-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, o jornalista Juca Kfouri lembrou do passado obscuro do dirigente e suas ligações íntimas com a Ditadura Militar. Há coisas piores: o atual presidente da CBF, José Maria Marin, nos seus tempos de parlamentar apoiador da Ditadura Militar, foi um dos responsáveis por denunciar o departamento de jornalismo da TV Cultura por promover a "presença comunizante no vídeo" (no dizer de seu correligionário, Wadih Helu) -- dessa denúncia resultou um processo de investigação pela polícia do regime que terminou com a morte de ninguém mais, ninguém menos do que o jornalista Vladmir Herzog.
Em outras palavras, o nosso futebol está nas mãos de uma rede de televisão que sustentou a Ditadura, e de dirigentes que foram burocratas da Ditadura. A erosão do nosso futebol, via capitalismo 2.0 e redução do nobre esporte bretão à lama dos holofotes e do marketing é apenas parte de um processo que não começou agora. Os mesmos dirigentes que enquadraram o futebol ao esquema do capitalismo estatalista comandado por militares são aqueles que o colocaram na rota da mercantilização, do craque for export e para o inferno goebbeliano da máquina de publicidade do capital. 
É um processo que se interpenetra ao Estado, o projeto silencioso do chamado "entulho autoritário" que os democratas, meio positivistões, achavam que ia ser "superado" com o andamento de eleições e debates livres. Em outras palavras, precisamente no momento. Nada de novo sob o Sol. Pouco importa a Arena histórica, que está em vias de ser refundada, mas o arenismo que subsistiu em caráter viral pelas instâncias variadas do Estado e de seus tentáculos. A recaptura do futebol, um esporte de elite devorado pelo povão, mas agora ameaçado pelo grande capital é parte disso. 
O momento, portanto, é paradoxal: se nunca antes estivemos tão bem, nunca antes o poder esteve por aí tão forte a nos espreitar. Os megaeventos poderiam ser uma oportunidade única esportiva e urbanística para o país, mas podem ser, perfeitamente, um desastre -- como tendem a ser --, sobretudo se a gestão burocrática do esporte perder mais oportunidades ainda de inverter a hierarquia do "esporte de ponta" em relação ao "esporte de base" -- como o PT conseguiu fazer em várias outras áreas.  Nada leva a crer que venceremos a Copa de 2014, mas a verdadeira derrota é o atoleiro do que fica, tanto no sentido institucional quanto pela completa erosão do comum futebolístico. O adversário não é Marin, como não era Ricardo Teixeira, mas o processo que os colocou e os sustenta no poder.
 

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