Filhotes da Ditadura: A Seleção, Marin e a morte de Herzog
Vladmir Herzog |
Muito se fala e muito se diz sobre a queda do treinador da Seleção,
sobre quem o sucederá e sobre a crise no nosso futebol às vésperas da
Copa que sediaremos. Pouco se escuta, mesmo que seja de ouvir dizer,
qualquer coisa sobre causas de tanta degradação que, certamente, superam
o óbvio da mercantilização do futebol e, sobretudo, da Seleção
Brasileira, rifada entre interesses comerciais e políticos da própria
CBF, da TV Globo e dos empresários dos jogadores e do próprio treinador
da Seleção: existe algo de político, um fator importantíssimo que remete
ao fato de como a política nacional penetra o futebol e vice-versa.
Vamos lá. Hoje, diante da prisão do vice-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, o jornalista Juca Kfouri lembrou do passado obscuro do dirigente e suas ligações íntimas com a Ditadura Militar. Há
coisas piores: o atual presidente da CBF, José Maria Marin, nos seus
tempos de parlamentar apoiador da Ditadura Militar, foi um dos responsáveis por denunciar
o departamento de jornalismo da TV Cultura por promover a "presença
comunizante no vídeo" (no dizer de seu correligionário, Wadih Helu) --
dessa denúncia resultou um processo de investigação pela polícia do
regime que terminou com a morte de ninguém mais, ninguém menos do que o
jornalista Vladmir Herzog.
Em outras palavras, o nosso futebol está nas mãos de uma rede de
televisão que sustentou a Ditadura, e de dirigentes que foram burocratas
da Ditadura. A erosão do nosso futebol, via capitalismo 2.0 e redução
do nobre esporte bretão à lama dos holofotes e do marketing é apenas
parte de um processo que não começou agora. Os mesmos dirigentes que
enquadraram o futebol ao esquema do capitalismo estatalista comandado
por militares são aqueles que o colocaram na rota da mercantilização, do
craque for export e para o inferno goebbeliano da máquina de publicidade do capital.
É um processo que se interpenetra ao Estado, o projeto silencioso do
chamado "entulho autoritário" que os democratas, meio positivistões,
achavam que ia ser "superado" com o andamento de eleições e debates
livres. Em outras palavras, precisamente no momento. Nada de novo sob o
Sol. Pouco importa a Arena histórica, que está em vias de ser refundada,
mas o arenismo que subsistiu em caráter viral pelas instâncias variadas
do Estado e de seus tentáculos. A recaptura do futebol, um esporte de
elite devorado pelo povão, mas agora ameaçado pelo grande capital é
parte disso.
O momento, portanto, é paradoxal: se nunca antes estivemos tão bem,
nunca antes o poder esteve por aí tão forte a nos espreitar. Os
megaeventos poderiam ser uma oportunidade única esportiva e urbanística
para o país, mas podem ser, perfeitamente, um desastre -- como tendem a
ser --, sobretudo se a gestão burocrática do esporte perder mais
oportunidades ainda de inverter a hierarquia do "esporte de ponta" em
relação ao "esporte de base" -- como o PT conseguiu fazer em várias
outras áreas. Nada leva a crer que venceremos a Copa de 2014, mas a
verdadeira derrota é o atoleiro do que fica, tanto no sentido
institucional quanto pela completa erosão do comum futebolístico. O
adversário não é Marin, como não era Ricardo Teixeira, mas o processo
que os colocou e os sustenta no poder.
De O Descurvo
Nenhum comentário:
Postar um comentário