Transições nos EUA e na China: o Império Global
A aliança entre Mao e Nixon: Pequim, 1972 |
Obama venceu
nos Estados Unidos por uma pequena vantagem (embora majorada pelas
peculiaridades do sistema local). As causas da vitória democrata se
devem menos pela força de Obama e mais pela incapacidade de seus
adversário, Mitt Romney: não existe modo ou motivo para uma minoria
votar no Partido Republicano atual, o mapa eleitoral americano de hoje,
aliás, é o próprio mapa da divisão histórica do país
entre estados liberais e aqueles onde a praga da escravidão e, depois,
do segregacionismo persistiram por mais tempo (e foram derrotados
unicamente por causas externas), portanto, sem negros, hispânicos,
mulheres e homossexuais -- que são os setores mais potentes da sociedade
americana -- não há como vencer. No entanto, isso não quer dizer
automaticamente que Obama catalise o clamor que o elegeu: ele está muito
longe de tomar medidas internas corajosas ou, no plano internacional,
parece pouco capaz de renegociar a posição americana no sistema global
por não poder assumir o declínio do país.
Na China, o sistema local -- no qual o Estado é um simulacro formal comandado pelo Partido Comunista, com sua estrutura complexa e aristocrática -- toma forma e ganha um rigor procedimental: o processo de sucessões passa a ser ordenado, previsível, enquanto os mandatos ganham prazo certo e o casuísmo cede lugar à racionalidade de comando e poder. O regime, por óbvio, não é democrático, mas ele também não pretende ser, portanto, uma vez aperfeiçoada sua arquitetura, ela toma a forma de um sistema vertical e hierarquizado bem regrado. Hu Jintao, o sóbrio burocrata que sucedeu Jiang Zeming há dez anos, não deve permanecer como comandante das forças armadas, ao contrário de todos os seus antecessores (que abandonavam a liderança política, mas não o controle militar do país), fato que marca a passagem definitiva da forma pessoal de exercício do poder para a forma sistemática. Em seu lugar, Xi Jinping, um nome de consenso do politburo, filho de um célebre herói revolucionário expurgado na Revolução Cultural.
Depois de ter insistido em compor com os republicanos, que radicalizaram o jogo nos últimos quatros anos, deixando seu governo em xeque, Obama tenta novamente, pela via de negocial, resolver o problema das contas americanas. Depois do segundo fracasso presidencial consecutivo, a questão é saber o que será dos republicanos. Dos democratas, o ponto é saber até que ponto Obama continuará à deriva, sujeito aos ditâmes dos Clinton e os democratas dos anos 90 na defesa e na estratégia geopolítica, enquanto no plano econômico, continua cedendo aos privatistas (sem ter bons resultados, é claro). Os chineses, por outro lado, repetem jargões sobre casos de corrupção nos quais seus líderes estão envolvidos, mas esquecem o que há de essencial no problema todo: a desigualdade social crescente, um capitalismo controlado por burocratas que vivem entre o estatal e o privado.
Enquanto a Europa assiste a tais transições quase paralisada pela insuficiência dos mecanismos europeus em mitigar a crise, vivendo em uma zona de indeterminação na qual nem existe mais autonomia nacional, nem uma estrutura continental efetiva -- mas uma grande zona de transição anódina e disfuncional -- resta cada vez menos dúvidas que é entre os Estados que vacilam e a China que ascende -- nem sempre sobre bases sustentáveis -- que o jogo dos Estados se equilibra e se decide. Muito do que os Estados Unidos são hoje se devem à organização do socialismo chinês produzindo seus bens de consumo, enquanto muito do que a China se deve ao capitalismo americano. Ambos representam as formas últimas das artes de governo liberal e socialista e sua relação, para além da confrontação retórica, é de estreita colaboração para manter a ordem estatal global -- e não ainda o Estado global, mas talvez um dia -- contra a multidão globalizada: são as duas cabeças da mesma estrutura imperial bifronte, seu mecanismo de dívida infinita e seu modo de consumir e produzir.
Na China, o sistema local -- no qual o Estado é um simulacro formal comandado pelo Partido Comunista, com sua estrutura complexa e aristocrática -- toma forma e ganha um rigor procedimental: o processo de sucessões passa a ser ordenado, previsível, enquanto os mandatos ganham prazo certo e o casuísmo cede lugar à racionalidade de comando e poder. O regime, por óbvio, não é democrático, mas ele também não pretende ser, portanto, uma vez aperfeiçoada sua arquitetura, ela toma a forma de um sistema vertical e hierarquizado bem regrado. Hu Jintao, o sóbrio burocrata que sucedeu Jiang Zeming há dez anos, não deve permanecer como comandante das forças armadas, ao contrário de todos os seus antecessores (que abandonavam a liderança política, mas não o controle militar do país), fato que marca a passagem definitiva da forma pessoal de exercício do poder para a forma sistemática. Em seu lugar, Xi Jinping, um nome de consenso do politburo, filho de um célebre herói revolucionário expurgado na Revolução Cultural.
Depois de ter insistido em compor com os republicanos, que radicalizaram o jogo nos últimos quatros anos, deixando seu governo em xeque, Obama tenta novamente, pela via de negocial, resolver o problema das contas americanas. Depois do segundo fracasso presidencial consecutivo, a questão é saber o que será dos republicanos. Dos democratas, o ponto é saber até que ponto Obama continuará à deriva, sujeito aos ditâmes dos Clinton e os democratas dos anos 90 na defesa e na estratégia geopolítica, enquanto no plano econômico, continua cedendo aos privatistas (sem ter bons resultados, é claro). Os chineses, por outro lado, repetem jargões sobre casos de corrupção nos quais seus líderes estão envolvidos, mas esquecem o que há de essencial no problema todo: a desigualdade social crescente, um capitalismo controlado por burocratas que vivem entre o estatal e o privado.
Enquanto a Europa assiste a tais transições quase paralisada pela insuficiência dos mecanismos europeus em mitigar a crise, vivendo em uma zona de indeterminação na qual nem existe mais autonomia nacional, nem uma estrutura continental efetiva -- mas uma grande zona de transição anódina e disfuncional -- resta cada vez menos dúvidas que é entre os Estados que vacilam e a China que ascende -- nem sempre sobre bases sustentáveis -- que o jogo dos Estados se equilibra e se decide. Muito do que os Estados Unidos são hoje se devem à organização do socialismo chinês produzindo seus bens de consumo, enquanto muito do que a China se deve ao capitalismo americano. Ambos representam as formas últimas das artes de governo liberal e socialista e sua relação, para além da confrontação retórica, é de estreita colaboração para manter a ordem estatal global -- e não ainda o Estado global, mas talvez um dia -- contra a multidão globalizada: são as duas cabeças da mesma estrutura imperial bifronte, seu mecanismo de dívida infinita e seu modo de consumir e produzir.
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