O imperialismo, enquanto braço forte do capitalismo moderno, é a principal bandeira da velha mídia internacional quando a pauta é política exterior. No Brasil, da mesma forma como ocorre nos outros países da América Latina, o mundo ideal da mídia (ainda) dominante é aquele no qual o próprio país é entregue aos mais poderosos (EUA, por exemplo, no nosso caso) ao mesmo tempo em que domina e explora os países menos “competitivos”. Assim as empresas – nacionais e internacionais – que financiam esses conglomerados de mídia seguem crescendo, avançando sobre a autonomia das nações menos desenvolvidas, e os grupos de comunicação crescem junto. Ao mesmo tempo, é sabido que as influências políticas externas acabam, de uma forma ou de outra, chegando aos países próximos. A guinada à esquerda da América Latina na última década segue esse caminho.
É nesse contexto que cada eleição em qualquer país latino-americano é motivo de preocupação para os conglomerados de mídia brasileiros. A consciência de autonomia dos povos, o anti-imperialismo, o fortalecimento do Estado e o empoderamento do povo vêm, obviamente, acompanhados da perda de força dos grupos que historicamente dominam a política, a economia e, por consequência, a mídia. E é isso o que, em medidas diferentes, tem acontecido na América Latina. A tendência é flagrante.
A estratégia é aplicada em conjunto pela grande imprensa internacional aliada ao capital multinacional: vincular os candidatos de esquerda a Hugo Chávez ao mesmo tempo em que constroem em Chávez a imagem do demônio. Essa última construção já foi mostrada aqui no Jornalismo B por diversas vezes.
Nos mais diversas veículos da direita brasileira, Chávez é ridicularizado, apontado como louco, ignorante, ansioso por mais poder, autoritário, ditador, cruel, etc etc etc. Raríssimas reportagens dão conta das mudanças na sociedade venezuelana, na política do país, enfim, do que acontece de importante por lá. Apenas intriguinhas aparentemente infantilóides, que, no desespero por atacar os avanços da esquerda latino-americana, infantilizam os leitores ou a audiência como forma de criar uma imagem estereotipada do presidente venezuelano.
Agora, a eleição no Peru. No último domingo aconteceu a votação em primeiro turno, com o candidato da esquerda, Ollanta Humala, aparecendo à frente nas pesquisas, seguido de Keiko Fujimori (filha do ex-presidente, hoje presidiário, Alberto Fujimori), com Pedro Paulo Kuczynski e o atual presidente Alejandro Toledo logo atrás. Como o jornal gaúcho Zero Hora destacou o dia do pleito? Uma cobertura de duas páginas: na segunda, uma entrevista com Humala; na primeira, a matéria “Peru vota temendo o chavismo”.
Nessa reportagem, da página 16, Keiko é citada uma vez, assim como Kuczynski. Toledo é lembrado em duas oportunidades. O foco do texto é Humala, cujo nome é citado nove vezes. Mas e o que dizer de Chávez? Seu nome e a palavra “chavismo” estão presentes no texto em sete oportunidades. Chávez é mais importante para a eleição do Peru do que os próprios candidatos? Como disse o sociólogo Cristóvão Feil no domingo, “Quem ler Zero Hora (grupo RBS) de hoje vai achar que Hugo Chávez é candidato a presidente do Peru”.
Na entrevista com Humala, três das cinco perguntas se referem às ligações do presidenciável com Chávez ou com o PT! Sim, porque há também uma retranca à matéria principal que conta a participação de brasileiros na campanha do candidato esquerdista. O texto tenta dar a entender que o PT estaria intervindo nas eleições peruanas.
A cobertura de Zero Hora é inteira um desrespeito à autonomia e à capacidade do povo peruano de escolher seus representantes com independência. Usa a eleição peruana para voltar a atacar Chávez e colocar sobre os movimentos de esquerda da América Latina a sombra de uma grande conspiração “subversiva”, “autoritária”.
Em tempo: ao menos no primeiro turno a tentativa de amedrontar e despolitizar o processo não funcionou, e Humala venceu. Vai enfrentar Keiko Fujimori no segundo turno. A mídia internacional segue perdendo batalhas na América Latina. E os ataques deverão ser cada vez mais violentos, é o instinto do animal acuado.
*Ressalte-se que a cobertura da Folha de S. Paulo não foi por esse caminho. Nas edições de sábado e domingo, trouxe reportagens equilibradas e realmente informativas.
*Sobre quem são os candidatos à presidência do Peru, vale a leitura de artigo do Altamiro Borges.
Postado por Alexandre Haubrich no Jornalismo B
Qual a função do estado ou do governante? dividir a sociedade ideologicamente ou construir consensos? O Peru é um país maravilhoso com um povo fantástico e acho que Humalla não é o diabo que estão pintando, assim como não é Pepe Mujica, Dilma Rousseff -- que faz um bom governo -- e tantos outros. E espero que ele não entre na onda chavista e o chavistmo é realmente uma grande preocupação para todos que acreditam na luta democrática.
ResponderExcluir