terça-feira, 26 de julho de 2011

A patologia social como discurso político legítimo



Um fantasma na Europa

Há 60 anos, os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer forneceram uma das mais instigantes leituras do nazismo, do fascismo e de sua lógica de segregação. Consistia em mostrar como estávamos, na verdade, diante de um tipo de patologia social.

Isso não significava dizer que os fascistas seriam "monstros patológicos", "perversos" e coisas do gênero. É alentador acreditar que apenas monstros são capazes de produzir monstruosidades.

Tratava-se, na verdade, de mostrar como o fascismo conseguira se colocar como um modelo de forma de vida. No caso, uma forma de vida constituída através da transformação de comportamentos patológicos em norma social, de temáticas que normalmente aparecem em delírios paranoicos no conteúdo de discursos políticos tacitamente aceitos.

Assim, delírios de perseguição se normalizavam por meio da crença de que um elemento estranho estava infectando a bela totalidade de nosso corpo social. Elemento que destruiria, com o beneplácito de cosmopolitas ingênuos, nosso caráter nacional naquilo que ele teria de mais especial.

Força e disciplina eram convocadas para restaurar esse corpo quase moribundo separado de seu solo, mesmo que tal solo seja hoje uma fazenda de produtos orgânicos.

Por sua vez, delírios de grandeza animavam discursos que pregavam a amplidão redentora da nação. A identidade era, assim, elevada à condição de sistema defensivo ameaçado, e, por isso, compulsivamente afirmado.

Não por acaso, palavras como "limite", "fronteira", "território" tornavam-se os significantes centrais do discurso político. A defesa da identidade se tornava uma patologia.

Lembrar isso, após o massacre em que um norueguês islamófobo, cristão conservador e simpatizante de partidos de extrema-direita matou dezenas de jovens do Partido Trabalhista, é só uma forma de insistir como alguns não aprendem nada com a história.

Tal como o direitista americano que, meses atrás, atirou contra uma deputada democrata em Tucson contrária a leis mais duras contra a imigração, o que temos aqui é simplesmente alguém que quer realizar tal forma de vida fascista com as próprias mãos.

Eles não querem esperar os partidos xenófobos ganharem para "eliminar" os imigrantes. Preferem passar ao ato, literalizando o discurso que ouvem todos os dias.

De nada adianta lembrar que estudos recentes da OCDE mostram que os imigrantes contribuem mais para a seguridade social do que usam tais serviços, ou seja, geram mais riquezas do que consomem.

De nada adianta lembrar isso, porque não estamos no domínio do argumento, mas no dos afetos patológicos cada vez mais naturalizados como discurso no jogo político.

Artigo de Vladimir Pinheiro Safatle, professor livre docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) e filosofia da música. Publicado na Folha, edição de hoje.

Fotos das esculturas de pedra do escultor Gustav Vigeland, no Parque Frogner de Oslo, Noruega.

2 comentários:

  1. O extremismo é -- e sempre foi -- uma forma de patologia social. Esse imbecil norueguês era contra (vejam só) a miscigenação. A bendita e necessária miscigenação!
    Na verdade, estamos falando de um psicopata, filho de fazendeiro classe média que mora no pais com a menor taxa de desemprego do mundo.

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  2. Não dá para não dizer que o tal psicopata compôs um documento onde estão repetidas todas as teses direitopatas que são a base do "pensamento político" de coisas como o DEM, além de amplos setores de outros partidos políticos brasileiros e mundiais. Essa patologia ganha legitimidade quando constitui a base teórica das ações do capitalismo mundial, que tem no extremismo e indiscutibilidade de suas posições o cerne do que chama de democracia.

    Quanto ao norueguês, ele só fez aplicar, como diz o texto do Safatle, os princípios defendidos pela direita. Mas, é claro, a direita internacional não assume a paternidade dessa criança, enquanto se levanta contra a perda dos privilégios "de raça" e barrando os fluxos migratórios por pura hipocrisia, pois bem sabe quanto depende seu processo de exploração desses migrantes parcamente assalariados e chantagem imprescindível para corrigir para baixo os salários de seus nacionais que, por isso, odeiam os imigrantes, quando deveriam odiar apenas seus líderes políticos e patrões.

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