O leitor que tiver paciência de ler esta nota até o fim
terá elementos melhores para julgar o debate envolvendo Lula e Gilmar
Mendes.
Escrevi em nota anterior que o pano de fundo deste conflito envolve o ambiente político em torno do mensalão.
Uma das partes tem interesses em politizar o debate no ponto máximo. A
outra tem esperança de convencer os ministros a apoiar-se em argumentos
de natureza técnico, no exame das provas.
A leitura do relatório do delegado da Polícia Federal Luiz Flávio
Zampronha, disponível na internet, é rico em detalhes e bastante
completo na abordagem.
Só para o leitor ter uma ideia da radicalização da situação. Tratado
pela imprensa, o relatório já foi exibido como prova definitiva da
existência do mensalão. Também foi apontado como prova do contrário.
Em suas conclusões, o relatório mostra que se o PT não pode estar
feliz com as denúncias apuradas, a oposição não tem o direito de
festejar por antecipação.
É por isso que o julgamento é aguardado com tensão. Todo mundo espera
um proveito político mas ninguém sabe o que pode acontecer.
Ninguém quer prestar atenção ao relatório.
Zampronha juntou os fios dos empréstimos bancários e dos contratos de
publicidade do Banco do Brasil e concluiu que houve sim desvio de
dinheiro público para pagar os compromissos assumidos pelo PT. Os dados
estão lá.
O PT pode alegar, corretamente, que o mensalão de Delúbio Soares é
igual ao mensalão mineiro e até pode dizer que o esquema dos tucanos
mineiros está melhor demonstrado. Tudo isso é verdade. Mas a culpa de
Marcos Valério em Minas pode até ajudar a denúncia em seu devido lugar.
Mostra que o esquema do PT tinha antecedentes.
Mas nada disso ajuda a demonstrar que ele era inocente quando se juntou ao PT.
Pelo relatório, petistas e não petistas que deixaram sua assinatura
em algum documento oficial terão dificuldades muito grandes para
demonstrar que são inocentes.
O problema, para a oposição, é que essas conclusões estão longe de
demonstrar a culpa dos 38 réus. Pior ainda. Para quem transformou José
Dirceu no cérebro e gênio do mal, a investigação da Polícia Federal é
uma decepção.
Evitando mencionar hipóteses que estão na mente de muitas pessoas,
mas não podem ser comprovadas com fatos, o relatório não apresenta uma
linha contra Dirceu.
Embora Zampronha não dê entrevistas, é fácil concluir o que aconteceu.
A culpa de Dirceu não foi registrada pela equipe de policiais
encarregada de apurar os fatos capazes de incriminá-lo. Não há provas
contra ele.
Não há uma denúncia nem uma testemunha. O próprio Roberto Jefferson,
que fez acusações políticas a Dirceu em 2005, não apontou um caso
específico nem uma situação precisa. Aliás: quem voltar à entrevista de
Jefferson a Renata Lo Prete, na Folha, irá encontrar palavras em que ele
testemunha a reação de Dirceu de crítica ao próprio Delúbio. Jefferson
contou a Lo Prete que, ao ser informado do que ocorria, Dirceu até deu
socos na mesa. (Ele também disse que Lula chorou).
Puro teatro maquiavélico, você pode dizer. Coisa de tem treinados
profissionais do crime. São todos farsantes, mentirosos…Esses políticos
são todos iguais. Quem sabe?
Falando para os autos, Jefferson também não falou sobre o esquema de
“compra de votos no Congresso” nem de “compra de consciências”.
Jefferson repete nos vários depoimentos que deu à Polícia que jamais
votou em projetos do governo em troca de dinheiro. Lembra que ele e sua
bancada estavam de acordo com as propostas de Lula. Dá exemplos.
Fala que o problema é que os petistas combinaram e não entregaram recursos para a campanha de 2004.
Jefferson, neste aspecto, concorda com aquilo que Delúbio sempre disse. Era dinheiro de campanha.
Já estou ouvindo um grito do leitor do outro lado: “P…que p…!”
“Não é possível!”
“O PML enlouqueceu de vez!”
“Não percebe que a Polícia Federal faz o que o governo quer?”
Todos nós temos direito a uma opinião sobre o caso e seus
protagonistas mas, acionada pela Procuradoria Geral da República, aquela
que denunciou o governo pela montagem de uma “organização criminosa”, a
Polícia Federal chegou a outro caminho.
Não demonstra o “mensalão”. Tampouco aponta para José Dirceu. Mas
incrimina quem foi apanhado numa operação que implicava em desvio de
recursos públicos. Não é pouca coisa, num país de altíssima impunidade.
Mas não irá agradar quem acredita que estava tudo provado e demonstrado
sobre a “quadrilha criminosa.”
Isso quer dizer que o Supremo irá seguir as recomendações da Polícia
Federal? Nem de longe. Cada ministro tem o direito a suas convicções e
próprias conclusões. O relatório da Polícia Federal pode inspirar alguns
ministros, a maioria, a minoria, ou nenhum. Com certeza não será um
julgamento unânime como a votação sobre cotas.
Não é inteiramente bom para nenhum lado. Nem totalmente ruim.
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