quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Manuela se acha predestinada ao cargo, Fortunati faz uma gestão medíocre



Em Porto Alegre, nem todos os gatos são pardos

Em Porto Alegre, muita coisa mudou, mas uma segue a mesma: há dois grupos políticos em disputa. Quando o PT perdeu as eleições para a prefeitura de Porto Alegre, em 2004, o grupo político que hoje está coligado, majoritária, porém não exclusivamente, na aliança da candidatura Fortunati vivia um momento de ascensão na cidade e no estado.
O ponto culminante dessa formação de partidos que começou a se consolidar ainda em 1999 foi a eleição de Yeda Crusius para governadora, em 2006. A desagregação desse aglomerado de direita se deu com o desastre da gestão do PSDB, no RS. Outro fator de desagregação deste bloco gaúcho de centro-direita veio com a consolidação eleitoral do PT, no terceiro mandato no governo federal, conformando uma gestão, desta feita, diretamente vinculada ao PMDB e ao PDT.
Visto de longe, como faz o longínquo candidato do PSDB local, tudo parece a mesma coisa. Fortunati, Manuela e Villaverde seriam representações do mesmo grupo, do lulo-petismo. Esse diagnóstico é grotesco e obscurantista e aceitá-lo envolve um grande risco.
Um destes riscos contamina a candidatura Manuela D’Ávila, cuja propaganda carrega as tintas no individualismo e numa suposta predestinação da candidata ao cargo. Mais do que um pateta desavisado da extrema direita católica, mais do que a grande aliança da direita local, o discurso que embala a candidatura Manuela pode ser a expressão de uma representação um tanto conservadora, num processo eleitoral. De modo geral, a campanha da deputada está centrada nos seguintes atributos: a candidata teve muitos votos, a candidata é mulher, a candidata trouxe 380 milhões para o RS em emendas parlamentares, a candidata “ajudou a trazer a Copa e as Olimpíadas para o Brasil”.
A campanha se desdobra em outros apelos. Inventou também de dizer que a candidata estudou em Harvard e na Universidade de Madri. Não fosse Manuela tão ligada nas redes sociais, jovem que é, esse tipo de postura seria compreensível. Fazer três dias de curso em Harvard não é estudar em Harvard, tampouco participar de seminário de mulheres, na Universidade de Madri, é estudar na Universidade de Madri. Tem outros dois detalhes imagéticos que são ostensivamente agressivos ao feminismo: a candidata vestir-se com roupas de senhoras dos anos 50, para dar a impressão de maturidade, e o uso de relatos de quadros políticos da aliança partidária da candidatura dela, todos homens, na casa dos 55 anos para cima. Um deles começa falando que ela é bonita. Essas condutas apelativas são agressivas.
No plano político, essa candidatura encerra um formato mais grave: o apoio de Ana Amélia Lemos. Esta senhora de triste figura, representante do latifúndio, da RBS, da monocultura agroexportadora, dos golpistas do Paraguai, da Monsanto e grande elenco de entidades antirrepublicanas, como a turma das armas e do monopólio da comunicação, é pré-candidata da oposição ao governo do Estado do RS. No mercado da falta de almas dessa política espetacular, o apoio da Ana Amélia tem um preço: derrubar o PT em 2014, no RS. Este preço, vale dizer, não é cobrado, pelo menos não ainda, da candidatura Fortunati.
A gestão Fortunati é medíocre, como é sabido e vivido. 
Quando Fogaça saiu é inegável a melhora: a prefeitura passou a ter alguma existência. Fortunati tentou resolver o problema do lixo, e parece que a calamidade foi relativamente enfrentada. Mas a regressão dos avanços na coleta seletiva e nas incubadoras de cooperativas é inegável e, infelizmente, segue assim. As ruas e os parques estão mais limpos, deve-se dizer. É feio, para dizer o mínimo, ter placas da Coca-Cola e da Pepsi parasitando espaços públicos da cidade. É feio e sem justificação republicana, mas não muda voto.
Voto é uma coisa mais séria do que uma marca, uma candidatura encerrada em si mesma e do que diferenças culturais.
A candidatura Fortunati tem uma agenda, que pode ser medíocre, que pode ser, em certa medida, tão pessoal e individualista como a da Manuela. 
Mas tem lastro político, partidário, tem enraizamento na experiência política da cidade, inclusive desde a época das gestões do PT, visto que o OP segue aí, as escolas não sofreram grandes mudanças e há uma certa estabilidade institucional que se conformou, sobretudo depois da saída do grupo mais ligado ao Fogaça, que parecia cultivar uma certa repulsa a compromissos mais republicanos e populares, no que concerne à administração da FASC e às políticas sociais, exemplarmente.
A grande e única inovação da gestão Fortunati é a SEDA, a Secretaria Especial dos Direitos dos Animais. É uma inovação civilizatória e ambientalmente luminosa, além de uma política pública na acepção quase plena da palavra (esta coisa de ação de gabinete de primeira dama é politicamente regressiva), porque promove e fomenta e dá exemplo de educação e bem estar.
A Porto Alegre onde se inventava de verdade e se pensava e realizava políticas públicas republicanas, democratizantes e oxigenadas, todos os dias do ano, essa Porto Alegre não existe mais. Pode ser que volte a existir, mas não se deve menosprezar os períodos históricos em que as experiências se constituem. 
Hoje, o PT não é uma força política em ascensão na sociedade, cultivada na resistência ao neoliberalismo triunfante no país, num período recente pós ditadura. Não, o PT está no terceiro mandato no governo federal, não governa a cidade há quase dez anos e parte importante da atual gestão da prefeitura é formada por quadros de partidos que estão, tanto no governo federal, como no estadual, também do PT. 
A candidatura Villaverde tem como principal adversário, paradoxalmente, o seu maior aliado: o poder de que já dispõe o seu partido, a experiência consolidada de uma mudança epocal no país, protagonizada por Lula e a que Dilma dá continuidade, e a consistência de suas possibilidades, na cidade.
Só que as coisas não são tão fáceis quando se tem poder, mesmo que em bons governos. Mais uma vez, é preciso aprender a olhar sem perspectivas grotescas e obscurantistas.Tudo se passa como se o PT, no governo federal, tivesse consolidado um certo projeto pemedebista dos anos 80, e o país inteiro esteja numa grande onda “centrista”.
 O custo político desse tipo de situação pode ser alto, mas o fato de que, no Brasil, essa onda tem se dado num marco democrático, que inclui e abarca a esquerda não tem interditado, a esta, as suas possibilidades. Em todo o país os movimentos sociais estão muito mais vivos e autônomos, seguem produzindo, criticando e mobilizando. Com todas as inflexões e mudanças localizadas de orientação do governo federal, não se pode dizer que há regressão alguma ou que a esquerda esteja em situação mais difícil, hoje. 
O que a estabilidade centrista das gestões do PT produziu, no país, tem a consequência peculiar de não interditar as possibilidades da esquerda, mas de assegurar a gestação de suas agendas. Hoje, temos mais democracia e mais república, menos desigualdade e menos barbárie. O país incluiu uma França em oito anos e o PT é responsável por isso.
A candidatura Villaverde tem consistência, trajetória e presente. A sua dificuldade parece ser uma dificuldade do próprio PT, de manter-se como partido vivo, oxigenado, que não sucumba ao jogo eleitoral. É como se o partido tivesse perdido a perspectiva de tal maneira que se tenta apresentar o Villa como um despachante do governo federal. 
Uma agenda para uma prefeitura, para uma cidade que tem na democracia um valor cultivado, pode e deve falar da vida, antes e além das obras das grandes empreiteiras e daquilo que é prerrogativa principal do governo federal.
Mobilidade, urbanidade, responsabilidade ambiental, assistência social, políticas e espaços para a juventude, políticas de gênero, políticas para os animais domésticos, política para o lixo. Um horizonte muito maior e mais civilizatório que a Copa do Mundo, que os despachos de ministros, que as figuras e imagens de grandes líderes.  Nada impede o PT de fazer a campanha mais pé no chão e mais promissora de todas. Nada impede o PT de falar em disputa civilizatória. Bem ao contrário.
O centrismo triunfante neste momento produz uma ilusão que pode custar muito caro, tanto à cidade como à esquerda e ao PT.
O risco é entregar a cidade a um acordo espetacular mercantil, sem lastro e sem agenda, cujo horizonte , em termos de consistência programática, é a derrocada do PT no estado e a retomada, pela direita, do terreno recentemente perdido.
A perspectiva grotesca e obscurantista não pode obnubilar a democracia e o debate altivo sobre os destinos das forças vivas da política da cidade. 
Eleição não é uma feira de trocas de votos e de disfarces, e enxergá-la assim é renunciar à democracia.
Artigo de Katarina Peixoto, doutora em filosofia pela UFRGS, sub-editora da Agência Carta Maior, onde também é tradutora.

Um comentário:

  1. Concordo, Fortunatti faz uma gestão medíocre, mas melhor do Fogaça e sua idéia imbecil de fazer consulta popular com a participação de 1% do eleitorado portoalegrense. Perdeu a eleição por conta dessa idiotice. Pelo menos Fortunatti fez uma coisa que ninguém fez, conseguiu vencer as amarras ideológicas e liberar para a cidade, com apoio de Tarso Genro, a área do cais do porto. A posse dessa área não é mais pública, mas privada e pertence a um grupo espanhol e a ao escritório de arquitetura de Jaime Lerner. Isso já é motivo suficiente para que ele seja declarado o melhor candidato.

    Porque naquele local o povo vai circular, vai se divertir, vai correr, vai caminhar, vai andar de bike, vai fazer compras, vai frequentar livrarias, vai se hospedar em bons e charmosos hoteis e frequentar restaurantes e bares.

    O projeto cais Mauá vai mudar e muito a vida de Porto Alegre.


    O PT governou 16 anos Porto Alegre e o que fez? Sim, fez o fórum social mundial e instituiu o orçamento participativo, mas isso passa e é passado. Não levantou um dedinho para desatar, nesse tempo todo, a questão da área do porto. Muito pelo contrário, fez de tudo para que nada ali saísse.

    Não sou fã do Fortuunatti, mas infelizmente, no Brasil de nossos dias, aprendi que devemos sempre votar no menos pior.

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