Entrevista
com Amilton Munari, agricultor do Vale do Maquiné, que desenvolve há
anos um trabalho de preservação de sementes nativas do Rio Grande do Sul
e também da palmeira juçara. Amilton é um dos 650 expositores presentes
à VIII Feira da Agricultura Familiar e Reforma Agrária, que ocorre de
21 a 25 de novembro, na Marina da Glória, no Rio de Janeiro.
Como e quando começou esse trabalho de preservação de sementes crioulas?
Amilton Munari: Começou com a minha família, que
sempre plantou para o próprio sustento. Eu fui criado no meio da roça,
no litoral norte do Rio Grande do Sul, no Vale do Maquiné. Minha família
plantava um pouco de tudo para a subsistência. Eu me formei como
técnico agropecuário e comecei a plantar com tecnologia, usando venenos e
adubos químicos. Logo vi que estava num circulo vicioso. Tudo o que eu
ganhava eu consumia, a terra estava sendo destruída e eu estava
comprometendo minha saúde. Resolvi buscar outras iniciativas, como a
Colméia, Sítio Pé-na-terra, Centro Ecológico (entidades e espaços
ambientalistas no Rio Grande do Sul). Fui ver o que eles estavam fazendo
e vi que eles estavam buscando melhorar a terra e preservar sementes.
Comecei então a resgatar sementes, no meio de comunidades italianas,
polonesas, quilombolas e indígenas, e a trocar sementes com eles. Muitas
dessas sementes estavam em fundo de quintas nas cidades. Fui resgatando
essas sementes e juntando no que chamei de banco de sementes. Também
fui construindo uma casa de sementes para mostrar ao pessoal como é que
se armazenava, secava e plantava sementes. Aí percebi que estava
realizando um serviço muito gratificante. As pessoas reconheciam e davam
muito valor. Percebi também que as sementes eram um patrimônio da
humanidade e garantiam nossa sustentabilidade. Sempre procurei obter as
sementes através de uma troca solidária, por contribuição espontânea ou
por algum tipo de produção. Sempre consegui boas trocas assim. Além
desse trabalho, participo de eventos e vou em comunidades ajudar a
implantar bancos de sementes.
Qual é o tamanho desse banco de sementes hoje?
Temos dois tipos básicos de sementes: as sementes milenares, que já
existiam antes da chegada dos colonizadores, e as sementes centenárias,
que foram sendo adaptadas pelas sucessivas levas de colonização. Hoje,
eu lido com mais de 300 tipos de sementes.
Você poderia dar alguns exemplos de sementes milenares?
A maioria delas foi cultivada pelos indígenas, especialmente os
milhos: milho crioulo, girassol, tomates, batatas, amendoins e abóboras.
Essas são as principais. Nós achamos muitas sementes que estavam sob
risco de extinção, como o milho cateto, que é um milho pequeno. Eu fui
trocando esse milho com outros produtores e fui fortalecendo ele. Cada
vez que a gente troca a terra e o clima, a semente dá um impulso, ela se
transforma e se fortalece. Por isso sempre procurei trocar para manter
uma diversidade.
E o trabalho com a palmeira juçara, por que você decidiu começá-lo?
Nossa cultura aqui do sul é de consumir muito palmito. Esse alto
consumo começou a provocar um sério problema de derrubada e de roubo das
palmeiras deixando nossa floresta muito pobre. No meu convívio na
Amazônia, aprendi a lidar com o açaí e vi que a situação da juçara era
muito idêntica. Há vinte anos, ensino as pessoas a manejar a juçara com o
mesmo método do manejo do açaí: amornar, tirar a polpa, misturar com
várias folhas e várias frutas em receitas quentes, frias, doces e
salgadas. Vi que era muito bom e um alimento importante. Assim, busquei o
reconhecimento dessa polpa. As suas sementes hoje sempre retornam às
áreas de bananais, de agroflorestas e de viveiros para que ela não entre
em risco de extinção.
Do RS Urgente
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