terça-feira, 21 de julho de 2009

As explicações do Piratini que não param em pé


Do Rs Urgente


Um corpanzil afeito a orgias etílicas, festanças com fantasias de anjinho e até perucas de lorde. E, ainda, um desempenho profissional tão embaraçoso que lembra uma chanchada (filme onde predominam os recursos cediços, as graças vulgares ou a pornografia). Não, o perfil não é de um potencial integrante da Turma do Didi e o assunto que vamos tratar, apesar do figurino e do personagem em questão, nada tem de engraçado. Estamos falando do Chefe de Gabinete da governadora Yeda Crusius, Ricardo Luís Lied, ilustre desconhecido que despontava para o anonimato até ser flagrado, nas eleições de 2008, numa escuta telefônica autorizada judicialmente em que aparecia confessando ter violado o Sistema Integrado de Consultas da Secretaria de Segurança. As fitas vieram à tona pelas mãos de Adão Paiani, ex-Ouvidor da Segurança Pública de Yeda.

Natural de Lajeado, filiado ao PSDB e primo de um vereador cassado do partido (Márcio Klauss), Lied aproveitou-se do fato de ser Chefe de Gabinete de Yeda para bisbilhotar a ficha policial do então candidato do PT à prefeitura lajeadense, Luiz Fernando Schmidt. O tiro saiu pela culatra. Além de nada ter encontrado que pudesse desabonar Schmidt, Lied foi flagrado cometendo a espionagem.

UM BOLO PARA O CÓDIGO DE ÉTICA DE YEDA

O caso chegou à imprensa. Lied foi acusado de ter rasgado o Código de Ética que Yeda inventou em plena crise do Detran e de ter cometido, pelo menos, dois crimes: Advocacia Administrativa e Violação do Sigilo Funcional. Mas, ao invés mandar investigar o comportamento de seu Chefe de Gabinete, puni-lo ou, no mínimo, chamar-lhe a atenção, a governadora resolveu valorizá-lo. “Denuncismo sem provas” repetiu Yeda negando a evidência da fita gravada.

O rapaz seguiu no cargo. Até que, na terça-feira passada, 14 de julho, exatamente no dia em que o Código de Ética de Yeda fez um ano, Lied tratou de pisoteá-lo outra vez. E, de novo, seu nome foi parar nos jornais não por obra da oposição, mas de um companheiro de governo, Sérgio Buchmann, recém nomeado por Yeda para a presidência do Detran. Acompanhado pelo Superintendente de Serviços Penitenciários Mário Santa Maria e pelo delegado Luiz Fernando Martins Oliveira, do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), Lied procurou Buchmann em casa, um prédio no bairro Menino Deus.

Segundo Buchmann, Lied foi recebido no portão do edifício e, antes de dizer qualquer coisa, certificou-se de que não havia câmeras no local. Depois de escorar o portão com o pé, perguntou se Buchmann tinha um filho chamado Flávio. Diante da resposta positiva, Lied informou que o rapaz estava prestes a ser preso por tráfico e pediu que Buchmann ligasse para ele avisando da ação policial. A inopinada sugestão causou desconfianças no presidente do Detran que, por não ter reconhecido uma suposta dívida autarquia coma empresa de guinchos Atento, estaria sofrendo pressões de agentes governamentais. A tal ponto que quando ouviu a sugestão de Lied, Buchmann pensou estar diante de uma cilada (para o ex-ouvidor Paiani, Lied pretendia induzir Buchmann a um ilícito para depois chantageá-lo, mas há quem suponha que a intenção do Chefe de Gabinete era evitar a prisão do filho de Buchmann e, com isso, ter o presidente do Detran nas mãos).

SIGILO PELO RALO

Mas Lied não é, propriamente, um estrategista e a presepada da vez veio a público porque Buchmann, ao invés de ligar para o filho, telefonou para Zero Hora e, sob o argumento de que estaria se protegendo contra uma eventual armadilha, preferiu a exposição familiar à cumplicidade com o Chefe de Gabinete.

Uma semana se passou desde o episódio e Lied, apesar de ter exposto, mais uma vez, o governo a uma situação vexatória e criminosa, continua no gabinete da governadora. A Corregedoria da Polícia Civil, num tempo recorde, chegou à conclusão de que quem deve ser punido é o delegado Luiz Fernando que, afinal, deu acesso a uma investigação do Denarc ao Chefe de Gabinete da governadora. A troco (sem trocadilhos, por favor) de quê?

Com a experiência e a autoridade de policial, o presidente da Ugeirm, Issac Ortiz, constata: “Pior ainda é saber que o pai foi orientado a manter contato com o filho. Para dizer o quê? Que a Polícia Civil iria prendê-lo? Para jogar a maconha e a cocaína fora? Ora, o sigilo é alma do sucesso de uma operação policial. Já imaginaram se, em todas as operações da Polícia Civil, a família de criminosos fosse avisada com antecedência?”.

TRANSPARÊNCIA E CPI

A Ugeirm exige medidas urgentes por parte da Secretaria de Transparência do governo neste caso. A bancada do PT também terá audiência com o secretário para pedir que Lied, Buchmann e os policiais sejam ouvidos. Mas não convém criar expectativas. O atual secretário de Transparência é Francisco Luçardo, o mesmo que comandou a sindicância que deveria ter apurado a conduta de Lied no caso da espionagem política mas que acabou por investigar o denunciante, Adão Paiani, e nem uma reprimenta sequer apresentou ao Chefe de Gabinete. Ao final da sindicância, Paiani reagiu: “Ocorre que o Senhor Francisco Luçardo, Procurador do Estado aposentado, é, juntamente com Ricardo Lied, membro da Executiva Estadual do PSDB. Os outros dois componentes da referida comissão sindicante, o Procurador do Estado Rodrigo Krieger Martins e o agente fiscal do Estado, Antônio da Silva Alves, exercem FG’s junto à Casa Civil do Governo do Estado”.

A Ugeirm chama a atenção, ainda, para um outro aspecto: Os agentes do Denarc que cumpriram diligência de prisão do filho do presidente do Detran, no limite, tiveram suas vidas colocadas em risco. A atividade policial já é de risco. É inimaginável o chefe de gabinete da governadora participar de um evento que aumentou esse risco. E, afora os aspectos técnicos, há, ainda, muitas perguntas sem resposta nesta história. E com a coragem que tem caracterizado a entidade, é a própria Ugeirm quem toca na ferida: “Diversos deputados disseram que assinariam o requerimento da CPI se houvesse fatos novos. Pois existe um fato novo noticiado pelo presidente do Detran. Envolve a suspeita de uso político da Polícia Civil para chantagem. É preciso investigar. Se confirmada a suspeita, temos um comportamento mafioso dentro do Palácio Piratini. A Assembleia Legislativa não pode mais se omitir, pois é seu dever fiscalizar os atos do Executivo”.

A pressão sobre Lied continua aumentando. Ontem de manhã, ele, o chefe da Susepe e o delegado do Denarc se reuniram no Piratini para afinar o discurso e montar uma versão menos esburacada dos que as primeiras. Agora, os três repetem que foram até a casa de Buchmann apenas sugerir que ele pedisse ao filho para não resistir à prisão a fim de vitar “um fim trágico da ação policial”. A explicação não pára em pé. Até porque, mesmo que esta fosse a verdade, ainda assim o Chefe de Gabinete da governadora, um delegado do Denarc e o Superintendente de Serviços Penitenciários teriam agido para avisar a um traficante que tinha em casa 23 quilos de maconha e meio quilo de cocaína, que ele seria preso minutos depois. Ou seja, teriam agido como informantes do tráfico. (Maneco)

Ilustração: Hupper

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