Por Miguel do Rosário do blog O Cafezinho
Uma coisa que os últimos anos têm ensinado à sociedade brasileira é
que, numa democracia, não existem cidadãos acima da lei. Eliana Calmon,
corregedora do Conselho Nacional de Justiça, surpreendeu o país pela
dureza com a qual denunciou “os bandidos de toga”, referindo-se à
corrupção no judiciário. Bem, procuradores também usam toga. Operações
da Polícia Federal vem desbaratando quadrilhas onde operavam as mais
graduadas autoridades do Estado: desembargadores, promotores, juízes,
governadores, senadores, delegados, deputados. Todos aqueles cargos
pomposos a quem o imaginário popular atribuía quase mítica
invulnerabilidade, apareceram na imprensa como acusados por graves
crimes de corrupção, foram presos, condenados ou estão vias de sê-lo.
A nossa Justiça, de fato, ainda é muito lenta e tolerante quando se
trata de manter criminosos do colarinho branco atrás das grades, mas
neste primeiro momento de nossa história é importante comemorarmos o
fato de que eles, ao menos, estão sendo devidamente processados, seus
bens têm sido bloqueados, perdem suas funções públicas e, entre os
políticos, ficam desmoralizados perante seus eleitores.
Aliás, uma das consequências positivas da CPI do Cachoeira poderia
ser o encaminhamento de mudanças na lei para endurecer as penas de
condenados por corrupção, em especial políticos com mandato popular. Por
trás do esquema Cachoeira, onde o tráfico de influência figurava como
seu maior capital, há um perigosíssimo atentado à democracia.
Digo isso para avaliar a polêmica envolvendo o procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, acusado de engavetar, juntamente com sua
esposa (sub-procuradora da República), o relatório da Operação Las
Vegas, onde apareciam vários indícios importantes de envolvimento do
senador Demóstenes Torres com o crime organizado. Eu escrevi aqui que
era importante ouvir Gurgel, para que ele pudesse se explicar, visto que
a sua argumentação, de que preferiu esperar a conclusão da operação
Monte Carlo, desencadeada em seguida, tinha uma lógica, embora eu
estranhasse o poder visionário do procurador, de saber, de antemão, que
haveriam novas provas contra o senador antes mesmo de iniciada a
investigação.
A sua reação descontrolada, no entanto, depõe contra ele. Gurgel
jogou pra platéia, ou melhor, pra mídia, ao atribuir a “mensaleiros e
protetores de mensaleiros” o esforço para trazê-lo à CPI. Gurgel agiu
como o bate-carteira barato que grita “pega ladrão” no meio da muvuca
justamente para poder fugir de fininho.
Ora, se Gurgel não tem culpa no cartório, que se defenda com
galhardia e firmeza, mas sem perder a postura de imparcialidade que ele
tem obrigação de manter. Entrar no jogo político-partidário, como ele
fez, constitui uma grave infração ética de sua função. A CPI do
Cachoeira produziu tensionamento; os ânimos estão exaltados; Gurgel
demonstra portanto uma notável incompetência para os aspectos políticos
de seu cargo ao não perceber isso e contribuir para botar fogo na
fogueira. Sua estratégia, além disso, é contraproducente, gera ainda
mais desconfiança sobre sua idoneidade.
Gurgel deveria entender que é perfeitamente compreensível, dentro da
lógica dos trabalhos da CPI, que parlamentares quisessem ouvi-lo, após a
acusação, por parte do delegado que chefiou a operação Las Vegas, de
que engavetou o inquérito que lhe foi enviado. Ele pode até negar-se a
ir, ou negar-se a falar, alegando restrições de ordem constitucional.
Quando ele falou que não podia depor, porque isso infringiria o estatuto
do MP, eu compreendi perfeitamente. Mas ele não tem o direito de
produzir factóides partidários que apenas desviam, como desviaram, o
foco da CPI.
Seu proselitismo oportunista, além disso, é mentiroso, visto que até parlamentares da oposição,
críticos ferozes do PT, como o Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Onyx
Lorenzoni (DEM-RS) passaram a defender sua convocação. Não são apenas os
“protetores de mensaleiros”.
*
A CPI do Cachoeira se tornou uma espécie de Caixa de Pandora, de onde
saem todos os males que já acossaram a política brasileira. É um
desafio acompanhar a produção industrial de novas denúncias verdadeiras,
falsas, factóides, manipulações, contra-informação, cortinas de fumaça,
distorções, mentiras, revelações bombásticas. A imprensa “tradicional”
não é mais um filtro confiável. Ao contrário, contribui para alimentar a
sensação de entropia.
*
A defesa da Veja praticada pelos jornalões se dá porque todos estão
envolvidos com o esquema Cachoeira, visto que todos foram pautados por
reportagens publicadas na revista cuja fonte era a máfia goiana. Nem
todos são criminosos, mas ajudaram a alimentar um esquema criminoso.
Pensando bem, a estratégia de Gurgel é a mesma usada ao longo dos
anos por Carlinhos Cachoeira. Quer usar a mídia? Use a palavra mensalão,
ou mensaleiro, faça qualquer acusação às forças governistas, mesmo que
ancorada em escutas ilegais, denúncias falsas e ilações absurdas: você
terá a mídia a seus pés, fotos na capa, será louvado em editoriais, e a
revista Veja o transformará em paladino da ética (como fez com
Demóstenes).
Como sempre haverá denúncias e casos de corrupção num aparelho
estatal enorme como é o da União (enorme não por se inchado, mas porque
precisa administrar um país de 8 milhões de quilômetros quadrados e 200
milhões de habitantes), basta montar – como fez Cachoeira – um aparelho
de investigação paralela, que pratica grampo clandestino e manipula
jornalistas e prepara armadilhas para funcionários públicos, para ter a
mídia na mão. É como se um traficante da Rocinha montasse um esquema
para denunciar, sistematicamente, a venda de drogas no morro do Vidigal.
A polícia apareceria todo dia na mídia prendendo um bandido diferente,
posando de herói, mas na verdade estaria a serviço de uma gangue rival,
que cresceria na esteira do enfraquecimento do adversário.
O problema maior da máfia Cachoeira é justamente esse envolvimento
com a alta política e com a mídia. Um grupo de bandidos atuava em favor
da oposição, com auxílio consciente e despudorado da revista Veja. Essas
alianças entre corrupção, política e mídia, na verdade, é coisa antiga.
Nos EUA, há toda uma literatura sobre o tema. Eu mesmo, por
coincidência, estou lendo Washington, de Gore Vidal, cujo personagem
principal é um senador acossado por um mafioso, que por sua vez é aliado
de um poderoso dono de jornais.
Tão ou mais importante do que responsabilizar criminalmente a revista
Veja por associar-se ao crime organizado, é desvendar a trama de
interesses que liga empresas de mídia, partidos políticos e uma máfia
especializada em desviar dinheiro público. É justamente isso o que está
acontecendo. Estamos sendo esclarecidos. A trama está sendo dia a dia
desvendada. Cachoeira grampeava políticos ou funcionários públicos, às
vezes até lhes preparava armadilhas, e depois chantageava autoridades
exigindo-lhes que aceitassem pagar adicionais milionários de obras.
Devia fazer isso também com juízes, armando flagrantes comprometedores,
para lhes obrigar a emitir esta ou aquela liminar, como foi o caso da
que forçou o governo do Distrito Federal a aceitar a Delta como
responsável pelo serviço de lixo na região.
Isso virou uma senha chatíssima. A chuva abriu um buraco na rua? O que voc~e quer dizer com isso? Quer esconder o mensalão? Coisa chata. Como se pudéssemos impedir o presente de produzir fatos mais relevantes á hora do que o passado cada vez mais remoto e banal. Li ontem na 1ª página de O Globo que 50% dos prefeitos do Rio de Janeiro empregam parentes. Fiquei feliz. Só 50%?
ResponderExcluirRachel, quero que os mensaleiros se explodam. Mas usar isso para se safarem, como está sendo feito pela Veja e aparentemente também pelo Gurgel, é pilantragem da grossa. CPI neles!!!
ResponderExcluirEu quero que os mensaleiros sejam julgados antes de serem beneficiados pelas prescrições da vida. A pressão para protelar é imensa. Gelso, os dois delegados ouvidos na CPI disseram não haver nada de irregular nas conversas entre Policarpo e Cachoeira. Não vejo porque a Veja está querendo se safar. É lindo ver a extrema esquerda brasileira se aliando ao Collor.
ResponderExcluirA veja tá querendo se safar sim. Basta ver as suas "reporcagens" que só falam do mensalão e não explica as ligações de Policarpo com Cachoeira. Pelo contrário s´ficam falando que o Globo a defende e coisas do tipo.
ResponderExcluirQuanto ao Collor, vocês passaram a vida toda apoiando ao Collor, ao ACM, ao Sarney, ao Maluf, ao Barbalho, ao Arruda, etc, etc, etc.
Gelso, você na tem lido a Veja. Ultimamente ela tem falado sim sobre as ligações do Policarpo (que é jornalista e não servidor público) com Cachoeira. Repito, dois delegados da Polícia Federal prestaram depoimentos a CPI, eles ouviram todas as gravações e falaram que a relação entre Policarpo e Cachoeira é a de jornalista em busca da notícia, entre reporter e fonte. Gelso, nunca votei e nunca apoiei Collor, ACM, Sarney, Maluf, Barbalho e Arruda.
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